Folha de S. Paulo


A receita de um perfume de vinho que não cheira a vinho

Como criar um perfume de vinho sem deixar as pessoas cheirando a bebida? Essa foi a pergunta que perfumistas se fizeram quando o fundador de O Boticário teve a ideia de lançar uma fragrância que remetia ao mundo dos vinhos. Na época, Miguel Krisgner tinha acabado de conhecer uma vinícola chilena.

"Eu não sabia o que queria, só sabia que não podia cheirar a vinho", diz Krisgner. Com essa ideia na cabeça, o time de perfumistas foi atrás de um enófilo.

"Ninguém quer cheirar a vinho. O Malbec não cheira a vinho. Tínhamos que trazer o gestual do vinho, a sua sofisticação e sedução", diz Napoleão Bastos, perfumista responsável pela criação da fragrância.

"Quando o enófilo começou a falar sobre a roda de descritores usada para classificar vinho – com adjetivos como amadeirado, condimentado, fresco, frutas secas e ameixa – pensamos que era por ali que deveríamos começar", afirma o perfumista Napoleão Bastos.

Dos cardamomos do sul da França veio o cheiro amadeirado, fresco e de frutas vermelhas. "Nós desenvolvemos uma qualidade específica da semente que foi usada em todas as versões do perfume Malbec", conta Bastos.

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Cavas da vinícola Concha y Toro, em Santiago, no Chile. De um espaço como esse capturou-se um dos odores que fazem parte da fragrância do perfume
Cavas da vinícola Concha y Toro, em Santiago, no Chile. De um espaço como esse capturou-se um dos odores que fazem parte da fragrância do perfume Malbec

Extraiu-se, então, a parte mais nobre do cheiro das sementes. Essa "fração" remetia ao odor de frutas secas, ameixa e morango, tão comum aos vinhos.

"Os óleos essenciais são extraídos por um processo chamado arraste por vapor: você coloca uma massa vegetal dentro de um recipiente e faz com que o vapor passe por ela. O vapor carrega os óleos essenciais com ele, que surgem após a condensação", explica Bastos. Os perfumistas então destilaram esse óleo (bastante comum na perfumaria) e retiram apenas a sua parte mais nobre.

Outra ingrediente trazido dos vinhos foi o álcool vínico, mais leve e delicado que o etílico. Na fábrica da marca, existe uma área reservada onde é feita toda a maturação desse álcool vínico, macerado em barris de carvalho francês.

Depois das frutas e do álcool característicos dos vinhos, faltava ainda o cheiro da madeira das cavas onde os vinhos repousam antes de serem envazados. "Fomos até Mendonça (Argentina) e usamos um headspace para capturar o cheiro do ambiente onde ficavam as cavas. É um cheiro que lembra vinho, mas com mais frescor", diz Bastos.

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Malbec Supremo (R$149), edição comemorativa dos 10 anos do perfume
Malbec Supremo (R$149), edição comemorativa dos 10 anos do perfume

O headspace é um aparelho que funciona como um eletrocardiograma fazendo a leitura do ar de um ambiente e informando os cheiros que estão ali. Ele também conta qual odor predomina.

"Isso que torna o perfume impossível de ser copiado, pois o cheiro daquele cave, naquele momento, não vai existir nunca mais, pois as safras mudam, o clima é outro e isso altera o odor do local", afirma Bastos.

A partir desses ingredientes nasceu o o Malbec há dez anos. O perfume foi um dos principais responsáveis por levar O Boticário à liderança do mercado no Brasil pela primeira vez. Segundo pesquisa da Kantar, Malbec é o vidrinho que está presente em mais casas brasileiras.

A expectativa da marca agora é entrar para o ranking dos perfumes mundiais por meio de premiações internacionais. Ele diz que apesar do volume de vendas, o Brasil não tem reconhecimento na perfumaria mundial.

A jornalista Heloísa Negrão viajou ao Chile à convite de O Boticário


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