Folha de S. Paulo


Maquiador de teatro diz que brasileiros têm medo de ousar

Para Anderson Bueno, a maquiagem tem um papel político e contestador. "Não é só beleza", diz. Segundo o maquiador, quem está no palco (ou em uma passarela), pode tudo e por isso não pode ter medo.

O maquiador que trabalhou durante 11 anos no Theatro Municipal de São Paulo -- onde maquiou Yoko Ono e John Malkovich-- começou a carreira no susto. "Eu era assistente de um fotógrafo, um dia o maquiador não apareceu e eu que tive de fazer a beleza da modelo", conta. Na época, ele fazia teatro e começou a maquiar para as peças dos amigos. "No final, eu abandonei de vez a carreira de ator e vi que ganhava mais dinheiro com a maquiagem do que sendo assistente de fotografia".

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Por que você escolheu trabalhar com maquiagem no teatro?

Eu posso exercitar meu lado ator na maquiagem. Eu crio expressões e efeitos da personagem com a maquiagem e com o cabelo. E você faz parte daquilo. No teatro e no cinema, o maquiador faz parte da concepção, na moda não, se não for você, pode ser qualquer outro, ali, na última hora.

Como é a maquiagem de teatro?

O teatro pede uma maquiagem mais forte. Esse profissional raramente vai fazer televisão ou beleza, porque a mão fica muito mais pesada - eu faço outras coisas, mas 70% do meu trabalho é no teatro.

A maquiagem de ópera é um borrão, porque a gente considera a pessoa que está na última fileira e ela precisa ver a expressão dos atores. As linhas são grossas e largas. Nas óperas, para dar amplitude aos olhos, a gente não faz o traço preto na linha d'água dos olhos, é mais embaixo mesmo, quase meio dedo abaixo do olho. Você precisa aumentar o tamanho do olho, para dar mais expressão ao ator.

E na TV?

Na TV e no cinema, a maquiagem é muito parecida, pois você tem de ter o máximo de suavidade para não ficar caricato, por causa da câmera HD. Na moda, a mão também tem que ser mais leve.

Tem algum truque dos palcos que as pessoas podem usar na "vida real"?

No "Alô, Dolly", a Marília Pêra pediu para usar pouca base. Então, eu trabalho com uma base em HD super clara na área dos olhos e, no restante do rosto, um tom mais escuro. Na vida real, essa base pode ser do tom da pele da pessoa, não precisa ser mais escura, mas o tom mais claro nos olhos, ajuda a dar luminosidade e a disfarçar as linhas de expressão.

Divulgação
Anderson Bueno e Marília Pêra
Anderson Bueno e Marília Pêra

Qual a maior diferença da maquiagem para palco?

Você como artista, no palco, pode tudo. Eu trabalhei anos com a Lady Zu. Hoje, eu gostaria de trabalhar com a Daniela Mercury, porque eu teria muito a aprender com ela. Ela é muito antenada artisticamente e ela é tão aberta. Ela sempre traz elementos tão novos para o carnaval.

E não pode ter medo de arriscar. A Madonna é a Madonna porque ela não tem medo de arriscar. A função do artista (e do seu maquiador) é contestar.

Qual sua opinião sobre a maquiagem nos desfiles de moda?

Eu já fiz modelos chorando sangue na passarela. Acho que falta essa ousadia. O desfile é visto por milhares de pessoas e por isso ele deve ser contestador.

Quando o Jum Nakao fez o figurino de papel, ele quis mostrar que tudo era descartável. A maquiagem também tem essa função política, como a maquiagem transgressora dos Dzi Croquettes, que refletia toda aquela rebeldia deles.

Eu sinto muita falta disso na nova geração de maquiadores.

Quem tem esse papel contestador hoje?

Hoje, não tem ninguém. Talvez a Lady Gaga, mas ainda assim... Aqui no Brasil não tem ninguém que tenha coragem para isso. Os artistas e os maquiadores brasileiros são muito medrosos, gostam de ficar na zona de conforto.


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