Folha de S. Paulo


O limite do assédio

Jordan Strauss/AP
Produtor de cinema Harvey Weinstein
Produtor de cinema Harvey Weinstein

"Troco papel principal em megaprodução cinematográfica por noite de sexo; favor enviar CV com fotos desinibidas". Qual é a sua reação, leitor, diante desse putativo anúncio? Estamos diante de uma oferta legítima -meio exótica, é verdade, mas ainda assim lícita-, ou de um caso de constrangimento que deve ser vedado por lei?

Eu me inclino mais pela primeira opção. Temos aqui um produtor, que é livre para dar o papel de protagonista de seu filme a quem bem entender, oferecendo o estrelato a alguma atriz ou ator que, também por espontânea vontade, aceite fazer sexo com ele, algo que tampouco é ilegal.

É verdade que o fato de a identidade do polo passivo do acordo ainda estar em aberto no nosso exemplo ajuda a visualizá-lo como uma espécie de transação comercial e não como um caso de assédio. Mas o que muda se a oferta é feita a uma pessoa específica e não a um contratante genérico ainda desconhecido?

A possibilidade de que estejamos diante de uma chantagem e não de um acerto consensual fica mais palpável. Mas é importante reparar que, neste caso, o problema está na perspectiva de que o produtor venha a prejudicar quem recusa a investida. O imoral de qualquer forma não está em oferecer a vantagem, mas sim retaliar quem não a aceita, o que precisa obviamente ser coibido pela lei.

Meu ponto com essas reflexões é que não podemos, no afã de criar ambientes livres de quaisquer constrangimentos, eliminar o papel do sujeito nem o espaço das micronegociações entre as pessoas. O feminismo, afinal, surgiu para afirmar a autonomia das mulheres. Seria imperdoável se o movimento, nas novas e mais radicais roupagens que vem adquirindo, fosse o responsável por subtrair-lhes o direito de decidir sozinhas o que fazer com suas vidas e com seus próprios corpos, ainda que essas escolhas pareçam erradas às feministas.

PS - Saio em férias por 3 semanas.


Endereço da página: