Folha de S. Paulo


Abaixo a monarquia

SÃO PAULO - A imprensa foi pródiga em elogios ao anúncio das bodas entre o príncipe Harry e a atriz americana Meghan Markle. Como a futura duquesa de Sussex, além de estrangeira e plebeia, é filha de negra e divorciada, a interpretação prevalecente é a de que a conservadora monarquia inglesa está se modernizando e se adaptando aos novos tempos, em que reina um "Zeitgeist" mais igualitário. E isso, todos parecem convir, é positivo.

A monarquia é, a meu ver, um dos mais chocantes paradoxos da modernidade. Como é que, em pleno século 21, no qual a igualdade se tornou um dos principais objetivos perseguidos tanto no campo econômico como no político, algumas das mais avançadas sociedades do planeta, como Reino Unido, Holanda, Suécia, Noruega, ainda mantêm uma instituição que tem como ponto de partida a distinção jurídica entre nobres e plebeus? Não só a mantêm como ainda pagam para sustentá-la.

E é até mais grave do que parece. Se, no plano da economia, ainda dá para argumentar que é preciso permitir alguma desigualdade –quem produz mais ou tem melhores ideias ganha mais– para assegurar o dinamismo do mercado e estimular o crescimento, nada parecido ocorre na política. Não vejo aqui nenhum raciocínio para justificar que um grupo de pessoas, apenas por ter nascido numa família, goze de um estatuto jurídico diferente daquele conferido ao restante dos cidadãos.

No Reino Unido ainda existe a Casa dos Lordes, reservada a nobres, e que conserva funções legislativas.

Num mundo um pouco mais racional, a discussão não seria em torno de a monarquia estar ou não se modernizando, mas sim sobre a extinção desse fóssil institucional. Acredito, porém, que nosso essencialismo inato somado a alguns milênios de propaganda pró-monárquica, em que príncipes e princesas são sempre retratados como heróis, nos fizeram perder a cabeça.


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