Folha de S. Paulo


Gays, Bíblia e polícia

Alex Wong/Getty Images/AFP
WASHINGTON, DC - NOVEMBER 15: Visitors go through an exhibit on the Old Testament at Museum of the Bible November 15, 2017 in Washington, DC. The 430,000-square-foot museum, with a purpose to invite people to engage with the Bible, will be opened to the public on November 17, 2017. Alex Wong/Getty Images/AFP == FOR NEWSPAPERS, INTERNET, TELCOS & TELEVISION USE ONLY ==
Visitantes no Museu da Bíblia, recém-inaugurado em Washington

Dá para conciliar liberdade de expressão e respeito a minorias? O meio liberal levemente de esquerda em que eu e boa parte dos leitores nos inserimos pretende que sim. Sustenta que é possível manter o regime que autoriza a plena circulação de ideias, punindo apenas casos extremos, em que a palavra é usada para incitar o ódio.

Receio que não seja tão simples. Tomemos um caso concreto. "Se um homem se deitar com outro homem como quem se deita com uma mulher, ambos praticaram um ato repugnante. Terão que ser executados, pois merecem a mor­te" (Levítico 20:13). Não vejo modo de interpretar essa passagem senão como profundamente homofóbica e ultrapassando o limite dos chamados discursos de ódio. O problema é que ela está na Bíblia, livro que parcela expressiva dos humanos julga sagrado.

E essa não é a única parte incômoda. Há trechos igualmente intolerantes no Novo Testamento (Romanos 1:26, Coríntios 6:9, Timóteo 1:10), sem mencionar outras injunções problemáticas, como a que nos manda assassinar parentes que mudem de religião (Deuteronômio 13:7) e a que nos autoriza a vender filhas como escravas (Êxodo 21:7), entre várias outras atitudes que hoje classificamos como imorais e criminosas.

O que uma lei de defesa das minorias poderia fazer? Censurar a Bíblia? Impedir que padres e pastores leiam esses trechos em homilias e sermões? Ou exigir que novas edições do "livro bom" tragam notas explicativas nas passagens complicadas?

A menos que estejamos dispostos a recriar nossa história, a reescrever nossos livros e a editar pensamentos, não há como criminalizar a circulação de ideias, inclusive aquelas que nos pareçam especialmente ofensivas. A proteção legal das minorias deve começar quando alguém abandona o plano das ideias intolerantes e tenta colocá-las em prática. Aí, não só a lei mas também a polícia precisam ser implacáveis.


Endereço da página: