Folha de S. Paulo


Neymar, Rawls e Nozick

Thomas Samson/AFP
Paris Saint-Germain's Brazilian forward Neymar waves to the crowd as he arrives on the football field during his presentation to the fans at the Parc des Princes stadium in Paris, on August 5, 2017. Brazil superstar Neymar will watch from the stands as Paris Saint-Germain open their season on August 5, 2017, but the French club have already clawed back around a million euros on their world record investment. Neymar, who signed from Barcelona for a mind-boggling 222 million euros ($264 million), is presented to the PSG support prior to his new team's first game of the Ligue 1 campaign against promoted Amiens. / AFP PHOTO / Thomas Samson
Neymar durante sua apresentação oficial à torcida do time francês Paris Saint-Germain no sábado (5)

SÃO PAULO - Fora os 222 milhões de euros que o Paris Saint-German gastou para comprar Neymar, o clube ainda vai pagar ao jogador 30 milhões de euros por temporada, o que dá 2,5 milhões de euros por mês. Em reais, isso dá 9,3 milhões. É justo?

Um dos mais estimulantes debates filosóficos das últimas décadas é o que opõe John Rawls a Robert Nozick na questão da justiça distributiva.

Não sei se Rawls era fã de futebol, mas ele provavelmente não aprovaria um salário dessa magnitude para o craque brasileiro. Sua tese é radical. O filósofo norte-americano põe em dúvida a própria noção de mérito. Para ele, talentos naturais, assim como a beleza ou a inteligência, constituem uma espécie de prêmio indevido, já que são o resultado de uma combinação da loteria genética com outras forças do acaso, e não de virtudes individuais.

Nesse contexto, nascer com aptidão para jogar bola e não estragá-la com noitadas e surtos de preguiça não é essencialmente "mais justo" do que os direitos de nascimento que a nobreza se autoatribuía. Para Rawls, desigualdades sociais e econômicas só se justificam à medida que sirvam para melhorar a situação de todos, incluindo necessariamente os mais desfavorecidos. Esse é o famoso princípio da diferença.

Nozick discordou, brandindo o princípio da justa titularidade. Para ele, cada um de nós tem autoridade soberana sobre si mesmo, seu corpo, habilidades e os frutos de seu trabalho, ainda que sejam inseparáveis da sorte. Segundo o filósofo, não devemos procurar a justiça nos resultados finais, mas em cada ação específica. Se as habilidades futebolísticas de Neymar não se originam numa fraude e se seu salário é fruto de transferências voluntárias de clubes e, em última análise, de torcedores, tentar privá-lo desses ganhos (e mesmo taxá-los) equivale a um roubo.

Nada sei das inclinações filosóficas de Neymar, mas desconfio que ele prefira Nozick a Rawls.


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