Folha de S. Paulo


A culpa é da imprensa

Branden Camp/Associated Press
Dwayne Lewis reads a local newspaper covering the death of Gregg Allman, Saturday, June 3, 2017, in Macon, Ga. Legions of fans are expected to line the streets of Macon, Georgia, as the music legend is carried to his final resting place in the same cemetery where he and his band members used to hang out and write songs amid the tombstones. (AP Photo/Branden Camp) ORG XMIT: GABC104
Homem lê jornal na cidade de Macon, na Geórgia (EUA)

SÃO PAULO - Especialmente quando estão em apuros, políticos recorrem a supostos complôs entre a mídia e elites com interesse na manutenção do "statu quo" para explicar suas dificuldades e até o surgimento de denúncias contra sua administração. O subtexto aqui é o de que os meios de comunicação não hesitam em utilizar sua capacidade de influir para instilar as preferências ideológicas de seus controladores no restante da população.

É uma ideia verossímil, mas será que é verdadeira? Na era do "big data", dá para testar a hipótese, e foi isso que Matthew Gentzkow (Stanford) e Jesse Shapiro (Brown) fizeram num estudo de 2010. Em primeiro lugar, eles foram a uma base de 433 jornais dos EUA, que respondiam por 74% da circulação total. Em seguida, analisaram os textos noticiosos dessas publicações e os classificaram segundo um "index" ideológico baseado na frequência de expressões mais usadas por democratas ou republicanos. Por exemplo, republicanos quase sempre se referem a um tributo sobre sucessões como "death tax" (imposto sobre a morte) enquanto democratas preferem usar "estate tax" (imposto sobre patrimônio).

De posse dessa classificação, tentaram identificar fatores que faziam com que alguns jornais tendessem mais à esquerda e outros mais à direita. E o que eles descobriram é que as preferências políticas dos leitores da área onde o jornal circulava explicavam muito melhor a linha editorial da publicação do que as inclinações partidárias de seus donos e diretores.

Não é que os proprietários nunca puxem a brasa para a sua sardinha, mas que tendem a fazê-lo em situações específicas e sem contrariar sistematicamente as preferências do leitorado. Faz sentido, já que a meta das empresas é ganhar dinheiro.

Se esses achados podem ser extrapolados para outros mercados, há mais perigo em a mídia atuar como uma caixa de ressonância do público do que como uma quinta-coluna.


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