Folha de S. Paulo


O enigma da razão

Reprodução
Capa do livro
Capa do livro "The Enigma of Reasons", de Hugo Mercier e Dan Sperber

SÃO PAULO - A razão constitui a base do conhecimento humano e é a responsável por ter feito com que essa espécie de primatas sem atributos físicos notáveis se tornasse senhora do planeta. Até aqui, é difícil discordar. Mas, se a razão é assim tão útil, por que não surgiu também em outros animais? E não é só. Se ela é tão eficaz, por que nossos raciocínios são marcados por tantos vieses cognitivos que nos levam a erros?

Foi para responder a esses e outros mistérios que Hugo Mercier e Dan Sperber escreveram "The Enigma of Resaon" (o enigma da razão). É um livro importante. Eles levantam uma hipótese original e provocativa para explicar o surgimento da razão e a defendem com bons argumentos.

Para os autores, a razão não se desenvolveu para nos aproximar da verdade nem para nos tornar mais sábios (ainda que possa fazê-lo), mas, mais mundanamente, para fazer com que fôssemos capazes de justificar nossas ações e persuadir nossos pares a tomar nosso partido. Isso explica não apenas a cara de pau de nossos políticos, mas também a existência de vieses de outra forma incompreensíveis, em especial a parcialidade de nossos raciocínios.

Para Mercier e Sperber, não devemos entender a razão como um modo mais lógico nem especial de pensar (esqueça o sistema 2 de Daniel Kahneman), mas apenas como uma máquina de gerar intuições sobre os motivos que nos levam a agir.

Só não estamos condenados a ser uma turba de petistas disputando com uma horda de tucanos porque somos um pouco melhores em julgar as razões dos outros do que somos em criar as nossas próprias justificativas. Essa característica permite que, na interação com as razões dos outros, acabemos descartando nossos piores raciocínios e guardando os que são melhorzinhos. A cultura e a ciência são necessariamente empreitadas coletivas.

"The Enigma of Reason" é uma leitura fascinante e esclarecedora.


Endereço da página: