Folha de S. Paulo


Vazamento é crime?

Pedro Ladeira-19.dez.2016/Folhapress
BRASILIA, DF, BRASIL, 19-12-2016, 18h00: Coletiva de imprensa do presidente do TSE, ministro Gilmar Mendes para falar do balanço da justiça eleitoral no ano. Ele estava acompanhado do secretário de fazenda Jorge Rachid, que falou da parceria com o TSE no cruzamento de dados de doadores eleitorais para ajudar na identificação de fraudes. Na sede do TSE. (Foto: Pedro Ladeira/Folhapress, PODER)
O ministro do STF Gilmar Mendes, que criticou recentemente os vazamentos da Lava Jato

SÃO PAULO - O vazamento de informações sigilosas por agentes do Estado deve ser criminalizado?

A pergunta é capciosa. O ministro da Fazenda que avisa seus amigos de que haverá um congelamento de preços decerto merece punição. Mas será que se pode dizer o mesmo do servidor público que denuncia anonimamente à imprensa as suspeitas que tem a respeito da licitação planejada em seu departamento? Ambos tinham o dever legal de manter o sigilo, mas, enquanto o primeiro caso encerra óbvia violação ética, o comportamento do segundo funcionário pode ser descrito como moralmente aceitável ou até mesmo obrigatório.

Estamos aqui diante de um daqueles conceitos que, como a pornografia, não se prestam a uma regulação "a priori". O curioso é que as democracias, um pouco por planejamento e muito por tentativa e erro, encontraram uma fórmula para lidar com essas situações. Elas dão ao Estado o direito de impor o dever de sigilo aos seus quadros, mas asseguram que jornalistas e demais cidadãos que tentem desvendar os segredos não terão seus trabalhos embaraçados, podendo até mesmo preservar o anonimato de suas fontes.

Parece contraditório e de fato o é. Mas há uma lógica por trás disso. A aposta aqui é que o estado de tensão entre o sigilo imposto ao agente público e a publicidade perseguida pela imprensa, que não deixa de ser uma materialização do sistema de freios e contrapesos, produzirá uma resultante positiva para a sociedade.

Há aí, é claro, vários pressupostos nem sempre realizados, como o de que o jornalista será capaz de evitar ao menos as manipulações mais grosseiras e se moverá mais pelo interesse público do que pelo gosto por fofoca, entre tantos outros. Não resta dúvida, porém, de que é preferível um arranjo em que a imprensa possa errar e cometer injustiças, que sempre poderão ser corrigidas "a posteriori", do que um em que as pessoas não tenham mais o direito de falar.


Endereço da página: