SÃO PAULO - O vazamento de informações sigilosas por agentes do Estado deve ser criminalizado?
A pergunta é capciosa. O ministro da Fazenda que avisa seus amigos de que haverá um congelamento de preços decerto merece punição. Mas será que se pode dizer o mesmo do servidor público que denuncia anonimamente à imprensa as suspeitas que tem a respeito da licitação planejada em seu departamento? Ambos tinham o dever legal de manter o sigilo, mas, enquanto o primeiro caso encerra óbvia violação ética, o comportamento do segundo funcionário pode ser descrito como moralmente aceitável ou até mesmo obrigatório.
Estamos aqui diante de um daqueles conceitos que, como a pornografia, não se prestam a uma regulação "a priori". O curioso é que as democracias, um pouco por planejamento e muito por tentativa e erro, encontraram uma fórmula para lidar com essas situações. Elas dão ao Estado o direito de impor o dever de sigilo aos seus quadros, mas asseguram que jornalistas e demais cidadãos que tentem desvendar os segredos não terão seus trabalhos embaraçados, podendo até mesmo preservar o anonimato de suas fontes.
Parece contraditório e de fato o é. Mas há uma lógica por trás disso. A aposta aqui é que o estado de tensão entre o sigilo imposto ao agente público e a publicidade perseguida pela imprensa, que não deixa de ser uma materialização do sistema de freios e contrapesos, produzirá uma resultante positiva para a sociedade.
Há aí, é claro, vários pressupostos nem sempre realizados, como o de que o jornalista será capaz de evitar ao menos as manipulações mais grosseiras e se moverá mais pelo interesse público do que pelo gosto por fofoca, entre tantos outros. Não resta dúvida, porém, de que é preferível um arranjo em que a imprensa possa errar e cometer injustiças, que sempre poderão ser corrigidas "a posteriori", do que um em que as pessoas não tenham mais o direito de falar.