Folha de S. Paulo


Dinheiro sem memória

SÃO PAULO- Muitos economistas apostam que caminhamos para um mundo sem papel-moeda. Cada vez mais, transações são feitas por meios eletrônicos, que lançam débitos e créditos diretamente em nossas contas. Haveria várias vantagens em acelerar esse processo e acabar de vez com as cédulas de dinheiro.

O mundo do crime seria o maior prejudicado. Para assaltantes, corruptos, traficantes e sonegadores, o dinheiro em papel, por não guardar nenhuma memória em relação a como foi adquirido nem como é gasto, é fundamental. Ninguém deve ser ingênuo a ponto de acreditar que o fim das notas acabaria com as práticas acima mencionadas -é sempre possível recorrer ao ouro ou a bitcoins, por exemplo-, mas elas ficariam mais difíceis.

Ao menos em teoria, haveria também efeitos econômicos positivos. A operação dos bancos centrais se tornaria mais simples e mais efetiva, o que é especialmente atrativo num contexto em que algumas nações já recorrem a taxas de juros negativas.

No momento, o maior empecilho à desmonetização é que, nos países pobres e em desenvolvimento, nem todos os cidadãos têm acesso a bancos. A virtual universalização dos telefones celulares, porém, já é meio caminho andado para resolver esse problema.

O outro obstáculo talvez seja mais controverso. Extintas as notas com sua notória falta de memória, nossas vidas se tornariam um livro aberto, não apenas para auditores da Receita, o que é razoável, mas para praticamente todos. O marido traidor não poderia mais comprar presentes para a amante. O sistema guardaria não apenas despesas indiscretas como também registraria todos os lugares e horários onde realizamos algum gasto. E isso ao longo de toda a vida. Alguns funcionários teriam acesso instantâneo a essa montanha de dados. Será que todos estão mesmo dispostos a abrir mão da privacidade nessa escala?


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