Folha de S. Paulo


Bússola quebrada

Kevin Lamarque/Folhapress
Presidente dos EUA, Donald Trump, concede entrevista coletiva à imprensa na Casa Branca, em Washington
Presidente dos EUA, Donald Trump, concede entrevista coletiva na Casa Branca, em Washington

SÃO PAULO - Se o ser humano foi realmente criado por um Fabricante, já passou da hora de Ele fazer um "recall" do produto. O programa de medos instalado em nossas mentes, concebido para lidar com ameaças da Idade da Pedra, como cobras, tigres de dentes de sabre e guerreiros de tribos inimigas, é imprestável para navegar no mundo moderno, em que perigos mais plausíveis são cigarros, automóveis e a temível picanha. Estamos viajando com nossas bússolas internas quebradas.

O melhor exemplo disso talvez seja Donald Trump. Ele quer restringir a imigração para resolver o problema do terrorismo. Erro duplo. Em primeiro lugar, se pensarmos segundo os cânones da razão, o sistema 2 de Daniel Kahneman, o terrorismo nem sequer deveria figurar na lista de preocupações de um norte-americano.

Considerando números da última década, foram mortas em média, nos EUA, quatro pessoas a cada ano em ataques terroristas cometidos por jihadistas. No mesmo período, 688 norte-americanos morreram em consequência de objetos que caem dos céus (normalmente galhos de árvore). Isso significa que um governo racional deveria dedicar 172 vezes mais atenção e energias à poda de árvores do que ao veto a imigrantes.
A imigração, aliás, é o que ajuda os EUA a manterem-se na liderança mundial quando o assunto é ciência e inovação e a evitar os problemas demográficos que afetam a Europa.

No Brasil, assistimos a algo parecido em relação à febre amarela. Basta irromper um surto do ciclo silvestre para que a população corra desesperadamente atrás da vacina. Não estou afirmando que a alta nos óbitos não seja um problema que exige a atenção das autoridades sanitárias. Ainda assim, o risco de um morador das cidades que não viaja para áreas de risco contrair febre amarela é baixo. Se o objetivo é escapar de mortes evitáveis, ele deveria estar mais empenhado em exercitar-se, parar de fumar e beber com moderação.


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