Folha de S. Paulo


Marisa e a humanidade

Leonardo Benassatto/Futura Press/Folhapress
A ex-primeira dama Marisa Letícia durante evento em Santo André (SP)

SÃO PAULO - Entristece-me a situação de Marisa Letícia. Vidas humanas têm valor intrínseco, e, para que eu me regozijasse com o desaparecimento de alguém, seria preciso que o morto fosse um monstro ou me tivesse causado dano irreparável. Não é o caso de Marisa. Sem surpresa, mas com consternação, verifico que nem todos pensam assim.

Uma passeada pelos comentários que circularam na internet depois que a notícia da piora do estado da ex-primeira-dama foi divulgada revela não só que muita gente se alegrou com isso como ainda fez questão de lançar publicamente impropérios contra Marisa e a família. Por quê?

A resposta tem a ver com política. Parte da humanidade não resiste à lógica do nós contra eles, que, nas versões fortes, prega que toda desgraça que recair sobre o grupo adversário é uma bênção para o nosso. Mas não é só. Muitos dos que vituperam só o fazem porque estão interagindo, não com pessoas de carne e osso, mas com as teclas de um computador. Arrisco até prognosticar que se, num passe de mágica, esses indivíduos fossem teletransportados para o velório de seu objeto de execração, apresentariam, genuinamente comovidos, condolências à família.

Meu ponto é que nosso aparato emocional, e também o intelectual e o moral, foi concebido para funcionar num mundo em que as interações entre pessoas eram ao vivo e em cores, não remotas e semianônimas. E isso, creiam, faz toda a diferença.

O melhor exemplo é o linguístico. Basta jogar um recém-nascido numa aldeia qualquer e voltar cinco anos depois que ele estará falando com perfeição o idioma local. Mas você pode deixá-lo o dobro do tempo ouvindo apenas a programação do rádio ou da TV numa língua estrangeira e nem por isso ele a aprenderá.

Não estou advogando pelo banimento da internet, que traz muito mais bônus do que ônus. Mas é bom lembrar que o que nos faz humanos é a interação com outros humanos.


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