Folha de S. Paulo


Injustiças previdenciárias

Gustavo Roth - 3.jun.2004/Folhapress
Fila em posto do INSS na zona leste de São Paulo (SP)
Fila em posto do INSS na zona leste de São Paulo (SP)

SÃO PAULO - Vários leitores me escreveram reclamando da coluna em que defendi o sentido geral da reforma da Previdência proposta pelo governo. Os missivistas levantaram dois pontos que, a meu ver, merecem desenvolvimento. O primeiro é o de que a reforma é injusta, e o segundo é o de que o regime geral, o popular INSS, nem sequer é deficitário, de modo que não haveria motivo para proceder a uma reformulação muito radical.

Comecemos pelo segundo. É uma questão contábil de menor importância determinar se o INSS é hoje deficitário ou superavitário. O problema é o que vai acontecer com o perfil demográfico da população nas próximas décadas. Passaremos dos atuais nove trabalhadores ativos para cada idoso para pouco mais de dois até 2060. Se não fizermos uma reforma forte agora, não haverá como honrar os compromissos nem mesmo jogando a carga tributária na Lua. Não dá para esquecer que a transição demográfica no Brasil ocorre num ritmo várias vezes mais rápido do que o verificado na Europa, o que nos deixa com menos tempo para o ajuste.

O argumento da justiça é mais complicado. É claro que a reforma promoverá uma série de injustiças. As minhas favoritas são a dificuldade dos trabalhadores informais de até chegar perto do tempo de contribuição necessário para aposentar-se e as atribulações enfrentadas pelos mais idosos para conseguir uma recolocação em caso de demissão.

É papel do Congresso tentar atenuar essas e outras agruras, mas sempre tendo em mente que não cabe à Previdência resolver todos os problemas do país e que a injustiça maior é entregar para nossos filhos e netos um sistema quebrado. No fundo, o que precisamos fazer é distribuir as injustiças ao longo do tempo, para que as próximas gerações não arquem sozinhas com o ônus de um modelo que foi concebido para um mundo de população sempre crescente que já não existe mais.


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