Folha de S. Paulo


Santa democracia

Pedro Ladeira/Folhapress
Plenário da Câmara dos Deputados vazio durante sessão não deliberativa em agosto de 2016
Plenário da Câmara dos Deputados vazio durante sessão não deliberativa em agosto de 2016

SÃO PAULO - "Contra a Democracia". O título do livro do filósofo americano Jason Brennan pode ser bom para as vendas, mas não ajuda muito na hora de fazer-se compreender. Ao longo do último par de décadas, desenvolvemos uma reverência quase religiosa para com a democracia, e tudo o que pareça ir contra ela se torna motivo de opróbrio.

Imagino que, por causa do título, parte dos leitores já abra o livro com um pé atrás. Mas Brennan, embora faça severas críticas a democracia, não chega a ser contrário a ela.

O filósofo recorre à literatura que investigou empiricamente como o eleitor define seu voto e tenta mostrar que deveríamos ter medo de entregar decisões importantes e que valem para todos os cidadãos a uma turba tão despreparada.

A maioria dos eleitores não se interessa por política, votando levianamente, e os que ligam tendem a ser militantes que não conseguem nem reconhecer fatos que não favoreçam sua causa.

O filósofo passa então a defender o que chama de epistocracia, na qual cidadãos cognitivamente mais preparados teriam maior poder decisório. Brennan menciona algumas possibilidades, como condicionar o título de eleitor à aprovação em um exame teórico, semelhante ao processo que dá a carteira de motorista.

Ele próprio, porém, parece cético em relação à viabilidade de soluções mais elitistas. Acaba apostando suas fichas num mecanismo mais modesto, que seria conceder uma espécie de poder de veto a um corpo de sábios não eleitos.

Assim descrito, parece meio estranho, mas já conferimos esse poder a um grupo muito parecido quando damos às cortes constitucionais a possibilidade de vetar leis e barrar candidatos por razões jurídicas.

O que Brennan sugere é que estendamos esse princípio para abarcar não só motivos jurídicos mas também econômicos, sociológicos etc. As cortes já fazem um pouco isso, embora sempre precisem encontrar pretextos no direito.


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