SÃO PAULO - "Contra a Democracia". O título do livro do filósofo americano Jason Brennan pode ser bom para as vendas, mas não ajuda muito na hora de fazer-se compreender. Ao longo do último par de décadas, desenvolvemos uma reverência quase religiosa para com a democracia, e tudo o que pareça ir contra ela se torna motivo de opróbrio.
Imagino que, por causa do título, parte dos leitores já abra o livro com um pé atrás. Mas Brennan, embora faça severas críticas a democracia, não chega a ser contrário a ela.
O filósofo recorre à literatura que investigou empiricamente como o eleitor define seu voto e tenta mostrar que deveríamos ter medo de entregar decisões importantes e que valem para todos os cidadãos a uma turba tão despreparada.
A maioria dos eleitores não se interessa por política, votando levianamente, e os que ligam tendem a ser militantes que não conseguem nem reconhecer fatos que não favoreçam sua causa.
O filósofo passa então a defender o que chama de epistocracia, na qual cidadãos cognitivamente mais preparados teriam maior poder decisório. Brennan menciona algumas possibilidades, como condicionar o título de eleitor à aprovação em um exame teórico, semelhante ao processo que dá a carteira de motorista.
Ele próprio, porém, parece cético em relação à viabilidade de soluções mais elitistas. Acaba apostando suas fichas num mecanismo mais modesto, que seria conceder uma espécie de poder de veto a um corpo de sábios não eleitos.
Assim descrito, parece meio estranho, mas já conferimos esse poder a um grupo muito parecido quando damos às cortes constitucionais a possibilidade de vetar leis e barrar candidatos por razões jurídicas.
O que Brennan sugere é que estendamos esse princípio para abarcar não só motivos jurídicos mas também econômicos, sociológicos etc. As cortes já fazem um pouco isso, embora sempre precisem encontrar pretextos no direito.