Folha de S. Paulo


Justiça poética

Tasso Marcelo/AFP
Protesters rush towards the police car that took former governor of Rio Sergio Cabral Filho to the penitentiary Bangu 8, where he will be held on fraud charges, in Rio de Janeiro on November 17, 2016. / AFP PHOTO / TASSO MARCELO ORG XMIT: TAS1151
Manifestantes cercam carro da polícia que levou Sérgio Cabral para Bangu

SÃO PAULO - Enquanto as finanças do Rio de Janeiro vão se desmilinguindo e a Assembleia Legislativa local vira palco de confrontos campais, a Justiça determina a prisão preventiva dos ex-governadores Anthony Garotinho e Sérgio Cabral.

Não sei se o "timing" das operações policiais foi ajustado para coincidir com o agravamento da crise. Também não sei se as prisões preventivas, que em tese servem apenas para garantir o bom andamento do processo, não para punir criminosos, foram aplicadas segundo a melhor interpretação da lei. O que eu sei é que o encarceramento dos ex-mandatários, especialmente o de Cabral, oferece à população fluminense um pouquinho de justiça poética. Num momento em que autoridades propõem cortar até um terço dos salários e aposentadorias de servidores públicos, não deixa de ser reconfortante ver pelo menos um dos responsáveis pelo descalabro econômico sofrer um pouquinho.

Justiça poética, para os que não lembram, é um artifício literário utilizado para fazer com que a virtude seja recompensada, e o vício, punido. É o esquema básico de Hollywood. O mocinho vence, fica com a garota e o bandido sempre leva a pior, não raro provando do próprio veneno. Fazer justiça poética significa, assim, restaurar a ordem moral, que é o que, no universo clássico, justifica socialmente a própria literatura, vista com desconfiança já desde Platão.

O mundo da literatura, contudo, tem uma vantagem sobre o mundo real. No reino das letras, a história acaba no ponto em que o autor desejar, não sendo necessário lidar com toda a bagunça deixada pelo vilão. A narrativa pode simplesmente calar sobre isso. No Rio de verdade, porém, mesmo que punições exemplares sejam distribuídas a todos os políticos, ainda restará o caos fiscal para administrar. Isso significa que será necessário definir quais grupos pagarão quais fatias da conta. Não há justiça poética que resolva isso.


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