Folha de S. Paulo


'Vox populi'

Miguel Schincariol-2.out.2016/AFP
Brazilian President Michel Temer (L) votes at a polling station during municipal elections, in Sao Paulo, Brazil, on October 2, 2016. Brazilians furious at recession and corruption voted Sunday in municipal elections amid heightened security after a series of murders of candidates. Among the first to cast his ballot in the financial capital Sao Paulo was Temer from the center-left PMDB party, who took over the presidency in August after turning on his former leftist ally Dilma Rousseff and helping to force her from the top job in an impeachment vote. / AFP PHOTO / Miguel SCHINCARIOL
Presidente Michel Temer vota em São Paulo

SÃO PAULO - Ainda que de forma um pouco cínica, a democracia pode ser descrita como o sistema que mantém no poder políticos cujas administrações se aproveitam de bons ventos econômicos e saca aqueles cujos governos se deparam com uma crise. É secundário se os dirigentes são de fato os responsáveis pela bonança ou pelo desastre. Nesse contexto, democracias guardam semelhança com um sorteio e funcionam mais por institucionalizar a disputa pelo poder, que deixa de ser violenta, do que por selecionar sempre bons líderes e propostas factíveis.

No caso específico da derrota do PT nas eleições municipais, vale constatar que pelo menos não estamos lidando com uma injustiça cósmica. A política econômica expansionista adotada por Dilma Rousseff é realmente a principal responsável pela forte recessão que o país atravessa, a qual foi determinante para a surra que o partido levou nas urnas.

Uma leitura honesta dos resultados eleitorais também deveria levar à rejeição da tese de que o impeachment foi um golpe porque confiscou os 54,5 milhões de votos de Dilma. Ora, o que as urnas mostraram é justamente que o PT perdeu o apoio da maioria da população. Aliás, não foi por outra razão que mais de 2/3 dos deputados e senadores, que podem ser acusados de muitas coisas, mas não de desconhecer para que lado vão os humores do eleitorado, decidiram despachar a ex-presidente.

Assim, para sustentar que o impeachment representou um terceiro turno que cassou os votos de 2014 é necessário defender uma concepção meio cartorial de democracia, segundo a qual o eleitor só fala uma vez a cada quatro anos e depois deve calar-se para sempre. Se, por outro lado, imaginamos a democracia como um plebiscito diário, pelo qual o cidadão chancela ou rejeita políticas e governantes, aí o impeachment apenas atualizou a vontade popular. As duas concepções têm problemas, mas a primeira me parece pior.


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