Folha de S. Paulo


Cultura do estupro

Marcia Foletto-27.mai.2016 /Agência O Globo
qRio de Janeiro (RJ), 27/05/2016, Estupro / Vitima - A adolescente que foi vitima de um estupro coletivo no colo da mae
Adolescente que foi vitima de estupro coletivo no Rio chora no colo da mãe

SÃO PAULO - Causou celeuma a pesquisa Datafolha que apurou que 30% dos brasileiros concordam com a frase "A mulher que usa roupas provocativas não pode reclamar se for estuprada". A leitura mais ou menos unânime foi a de que quase um terço da população pensa que uma mulher que veste trajes sumários e sofre violência sexual é de certa forma culpada por isso.

Não estou seguro de que essa seja a melhor hermenêutica. O que mais chama a atenção no detalhamento da pesquisa, feita por encomenda do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, é que a proporção de homens e mulheres que concordaram com a frase é idêntica. Assim, a menos que imaginemos que a tal da cultura do estupro seja abraçada com igual entusiasmo pelos dois gêneros, o que parece biologicamente implausível, devemos procurar outra explicação.

Minha hipótese é que a frase não é tão unívoca quanto se supõe. Suspeito que ao menos uma parte dos entrevistados a tenha interpretado mais como juízo probabilístico do que ético: uma mulher que se veste de forma provocante teria mais chance de ser estuprada, sem que esteja embutida aí uma condenação moral da vítima. Se não for assim, nos deparamos com o desafio, a meu ver mais difícil, de providenciar uma explicação para o fato de não haver menos mulheres do que homens sugerindo que a vítima "merece" ser estuprada. Estaríamos aqui lidando com uma cultura do estupro sem as digitais do machismo, o que é improvável.

O ponto central, me parece, é que, embora o mundo ainda seja um lugar violento e distante da equidade de gênero, ele está se tornando cada vez mais feminista. A pesquisa traz alguns indícios disso, ao mostrar, por exemplo, que a concordância com a polêmica frase diminui conforme aumentam o grau de instrução e a juventude do entrevistado. Basicamente, ir à escola serve para alguma coisa -nem que seja melhorar a capacidade de interpretar frases.


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