Folha de S. Paulo


As molas da Lava Jato

SÃO PAULO - É sempre um prazer trocar ideias (e às vezes algumas farpas) com Alberto Zacharias Toron. O advogado criminalista contestou, em artigo publicado nesta quinta (23), uma coluna em que eu criticava a possibilidade de o STF reverter uma decisão de fevereiro que considerou constitucional a prisão de condenados a partir da segunda instância.

Para Toron, não foi a nova interpretação do STF que definiu o sucesso da Lava Jato, mas uma combinação de boa investigação com prisões cautelares abusivas, que o penalista, para dar mais colorido a seu arrazoado, compara a práticas da Inquisição.

Esclareço que nunca afirmei que o sucesso da Lava Jato se devia à decisão do STF. O que eu disse, e reitero, é que ela deu enorme impulso às delações premiadas, que são a chave para entender por que as investigações chegaram tão longe. Penso que existem evidências teóricas e empíricas disso, que passo a expor.

Meu argumento começa pela matemática. Desde que as delações premiadas foram introduzidas no sistema, o jogo mudou. A estratégia mais vantajosa (equilíbrio de Nash) para um envolvido nos desvios, considerando que outros investigados passaram a falar, é buscar ele também um acordo com os procuradores.

Essa é a posição racional, mas, como ensina a psicologia, embora a razão seja boa conselheira, não é a melhor das motivadoras. Esse é um trabalho para as emoções. É aí que a decisão do STF foi importante. Ao fazer com que a perspectiva de cumprimento de pena viesse de um futuro longínquo, medido em décadas, para um mais próximo, na escala do par de anos, o Supremo deu um impulso extra. Se 2026 é quase uma abstração, 2018 está logo aí na esquina.

Concordo com Toron que prisões preventivas podem produzir o mesmo efeito, mas o áudio que mostra Sérgio Machado xingando ministros do STF por ter mudado a jurisprudência é uma loquaz evidência de que a medida afetou sua conduta.

helio@uol.com.br


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