Folha de S. Paulo


Minha barriga, minhas regras

SÃO PAULO - Não tem jeito. É mais forte do que eles. Até quando aprovam uma medida concebida para ampliar a autonomia dos pacientes, os conselheiros do CFM (Conselho Federal de Medicina) encontram uma forma de restringi-la. Falo da resolução, anunciada na segunda-feira, que estabeleceu a idade gestacional de 39 semanas como limite mínimo para que grávidas façam o parto cesariano a pedido.

Antes, não havia nas regras éticas da medicina a previsão de cesarianas por decisão da paciente. Também não havia proibição. Mas, até a resolução, fetos com 37 semanas já eram considerados a termo. Com a mudança para 39, estreita-se bastante a janela de oportunidade para a realização do procedimento cirúrgico. A moral da história é que o CFM apenas fingiu que reforçou a autonomia, quando, na verdade, a reduziu.

Corrijo-me, na prática, a medida tende a ser inócua, porque a idade gestacional costuma ser calculada a partir da data da última menstruação, informação que é fornecida pela mulher. E, se o médico está eticamente impedido de mentir para o paciente, a recíproca não é verdadeira. Grávidas que quiserem de fato fazer o parto cesariano terão apenas de fazer as contas com cuidado.

Não discordo da avaliação de que, no agregado, o Brasil abusa das cesarianas, o que eleva um pouco os custos e os riscos em que o sistema incorre, mas não me parece que estes sejam elevados o bastante para justificar que se retire das mulheres a decisão sobre a via do parto.

Minha impressão é a de que o CFM tem algo de pré-kantiano, que não entendeu ainda que não existe meia autonomia. Ou o cidadão tem o direito de decidir soberanamente as terapias e procedimentos a que se submeterá, quaisquer que sejam as consequências, ou não tem. Não dá para limitar a autonomia à retirada de joanetes e, quando a coisa fica séria, exigir que o paciente decida como o médico acha melhor.

helio@uol.com.br


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