Folha de S. Paulo


Breves pecados

SÃO PAULO - Os indícios agora sugerem que Omar Mateen, o autor do atentado contra a boate gay de Orlando, tinha tendências homossexuais. Ele já havia frequentado a casa noturna e era usuário de um aplicativo para marcar encontros gays.

A leitura que se impõe, como indicaram Clóvis Rossi e Contardo Calligaris, é que Mateen se voltou contra aquilo que não suportava em si próprio. Já que a religião e o pai reprimiam sua homossexualidade, ele "solucionou" o conflito cometendo um suicídio no qual levaria consigo o maior número possível de gays.

Não discordo dessa interpretação, mas gostaria de frisar que a ambivalência que marcou o gesto de Mateen também está presente nos textos religiosos do islamismo. No mundo terreno, o islã condena com veemência o homossexualismo. O Corão conta nada menos do que nove vezes a história de Ló e a pecaminosa cidade de Sodoma. Nas versões mais explícitas, como as das suras 7:80 e 26:165, o ato de homens que se deitam com homens é qualificado como transgressão extrema. Os "ahadith", os ditos e feitos do profeta, que têm força jurisprudencial, vão além e mandam executar os que se comportem como o "povo de Ló" (Abu Dawud 4462).

No Paraíso, porém, as regras não são tão rígidas. Ao contrário, coisas proibidas na Terra se tornam permitidas e abundantes. No Jardim das Delícias, poderemos beber vinho (83:25 e 47:15), fartar-nos com carne de porco (52:22) e deliciar-nos com virgens (44:54 e 55:70). Também teremos à disposição "mancebos eternamente jovens", que, de tão belos, são comparados a "pérolas" (56:17, 76:19).

É o velho truque das religiões de tentar controlar as pessoas pedindo que se comportem agora em troca de uma eternidade de prazeres. Não deixa de ser irônico que a arma usada para combater a devassidão seja um hedonismo de segunda ordem. Por essa lógica, o problema com o pecado não é que ele seja intrinsecamente mau, mas que dura pouco.


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