Folha de S. Paulo


Quebrando a Suécia

SÃO PAULO - Como que a dar concretude ao artigo que Marcos Lisboa e Samuel Pessôa escreveram sobre as meias-entradas, isto é, as prebendas, sinecuras e veniagas que infestam nossa sociedade, a Câmara Municipal de São Paulo aprovou em primeira votação esta semana um projeto de lei que isenta os advogados do rodízio municipal de veículos.

Na justificativa do PL 505/15, seu autor, o vereador Eduardo Tuma (PSDB), coincidentemente um advogado, escreve: "qualquer tipo de restrição ao deslocamento do advogado(a), que atua mediante o cumprimento de prazos legais, pode causar prejuízos irreparáveis à parte, ao próprio advogado e à justiça".

Não discordo, mas raciocínio idêntico pode ser aplicado a dezenas de profissões. Uma restrição à movimentação de engenheiros pode resultar no solapamento de obras, colocando a população em risco. O domador de leões que se atrasa para alimentar as feras pode estar precipitando sua fuga, o que pode ser a origem de uma tragédia colossal. Não cito os médicos porque eles já gozam dessa benesse há alguns anos.

Falando sério, exceto por alguns casos patológicos de masoquismo, todo o mundo que se dispõe a enfrentar o trânsito de São Paulo nos horários de pico o faz porque tem algum compromisso que considera importante em sua agenda. E não me parece muito republicano definir em lei quais categorias profissionais são importantes e quais não o são.

O ponto mesmo do rodízio é que todos se submetam à restrição, alterando planos pessoais se necessário, para promover o bem comum. Uma das razões por que a sociedade brasileira tem fracassado é que todos nos sentimos titulares de direitos especiais que tornam legítimo que paguemos menos que os outros para entrar no cinema, que circulemos no horário de rodízio, que obtenhamos juros subsidiados, que nos aposentemos mais cedo etc. Agindo assim, quebraríamos até a Suécia.

helio@uol.com.br


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