Folha de S. Paulo


O problema é Nagasaki

Barack Obama visita nesta sexta (27) Hiroshima, cidade japonesa sobre a qual os EUA lançaram a primeira bomba atômica em 1945. Ao que consta, o mandatário deverá homenagear vítimas, mas não fará pedido de desculpas.

Como sou mais pretensioso do que o João Pereira Coutinho, que comentou esse mesmo tema em sua coluna de terça, vou tentar responder se os EUA cometeram um crime de guerra. Meu colega destrinchou bem a questão, descrevendo-a como um dilema moral de matriz consequencialista.

Para os EUA, a dúvida era entre iniciar uma ofensiva terrestre, na qual se estimava que morreriam até 1 milhão de americanos e um número ainda maior de japoneses, e despejar o artefato, zerando os óbitos americanos e reduzindo substancialmente os japoneses. "Vale a pena sacrificar 100 mil para evitar a morte de milhões?", perguntou-se Coutinho, desafiando os utilitaristas a responder.

Não sou um utilitarista clássico, mas não escondo minhas simpatias por essa escola de pensamento. A resposta rápida é fácil. Dado que 100 mil < x milhões, temos de dizer que vale, sim, a pena. O problema do utilitarismo, e das filosofias consequencialistas em geral, não está na aritmética, mas no que a antecede. Se estivéssemos seguros de que os parâmetros que usamos para montar a inequação estão certos, não haveria por que titubear. Mas, no mundo real, jamais temos essas certezas. A ofensiva terrestre de fato custaria tantas vidas? O Japão não se renderia antes? Um bloqueio naval não resolveria? Simplesmente não sabemos. É por entre essas incertezas que surge espaço para as éticas deontológicas.

Quanto ao crime de guerra, penso que os EUA o cometeram. Não em Hiroshima, onde as dúvidas talvez legitimassem o primeiro ataque nuclear, mas em Nagasaki, onde, apenas três dias depois, os EUA lançaram uma segunda bomba. Nem deram aos japoneses a chance de compreender direito o que tinha acontecido.


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