Folha de S. Paulo


Aliança improvável

O que une certos grupos feministas, religiosos e governos nórdicos? Eles querem acabar com a prostituição. Se, no passado, as mulheres da vida eram o alvo das batidas policiais, a repressão agora se volta contra seus clientes. O país pioneiro foi a Suécia, que aprovou em 1999 uma lei que criminaliza a compra de sexo. Desde então, Noruega, Islândia e Canadá adotaram legislações semelhantes. A França está em vias de fazer o mesmo.

É claro que nem todos concordam com a visão da nova santa aliança. A Anistia Internacional votou uma resolução que pede a descriminalização global da prostituição. E, como mostrou uma bela reportagem publicada nesta semana no "New York Times Magazine", é secundada por coletivos de prostitutas, que obviamente dispensam o auxílio do Estado em multar e encarcerar sua demanda.

A ideia por trás do chamado feminismo abolicionista é que ninguém se prostitui por vontade própria. Se o faz é porque foi compelido. A objetificação sexual da mulher, já em si moralmente condenável, deve ser combatida pela lei, mas não punindo a parte fraca, que são as prostitutas, mas os que pagam por seus serviços.

Estou com a Anistia e as putas. O raciocínio "abolicionista" me parece equivocado em praticamente tudo. Até concordo que o meretrício não seja a profissão dos sonhos da maioria das meninas, mas a menos que seja imposta à força, não difere tanto de outros empregos pouco valorizados socialmente. Se a prostituição deve ser banida, igual destino deveriam ter todos os trabalhos extenuantes, malcheirosos ou apenas pouco criativos.

Num plano mais prático, não me parece que acabar com a prostituição seja uma meta factível ou mesmo desejável. Prefiro o feminismo mais clássico que tem como objetivo eliminar as leis que efetivamente segregam a mulher e reafirmar sua autonomia, inclusive para ser prostituta, se essa for a sua escolha.


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