Folha de S. Paulo


Islã na berlinda

SÃO PAULO - Michel Onfray é sinônimo de polêmica. O filósofo, que se classifica como libertário de esquerda, é um intransigente defensor do ateísmo e do hedonismo. Ele não costuma recorrer a eufemismos. Seus ataques a Freud e à psicanálise beiram a crueldade. Foi esperando ver sangue, portanto, que iniciei a leitura de seu recente "Penser l´Islam" (pensar o islã). O texto, porém, é surpreendentemente equilibrado.

Não é que Onfray tenha perdido seu gosto por fustigar a religião. Ele cataloga para nós as piores passagens do Alcorão. Indica as suras que conclamam o bom muçulmano a matar todos os infiéis, as que atacam os judeus, as que defendem a tortura e as que dizem que o homem deve se entristecer sempre que nasce uma filha. O autor, porém, não deixa de destacar as bem menos numerosas suras que glorificam a paz, o amor e a misericórdia. Tampouco deixa fazer a distinção óbvia de que existem muçulmanos radicais e moderados e que apenas os primeiros são um problema.

Lembra ainda que fenômenos como Estado Islâmico têm muito mais a ver com questões políticas do que com os textos religiosos propriamente ditos, que dizem tudo o que se queira ler e também o seu contrário.
Onfray aproveita para atacar tanto a direita que fala em choque de civilizações quanto o que chama de esquerda islamófila, que, sob o pretexto de combater o capitalismo e o colonialismo, não hesita em aliar-se a grupos com ideias liberticidas, misóginas, anti-semitas, homofóbicas etc.

Na tese mais polêmica da obra, o autor defende que a França abandone sua famosa "lei da laicidade" e, a exemplo do que faz a Alemanha, passe a cobrar um imposto conforme a afiliação religiosa de cada cidadão. Com esse dinheiro, o Estado manteria mesquitas que ensinariam aos jovens versões não radicais do islamismo. Não sou dado a violência, mas discordo tanto da ideia que tive vontade de jogar uma bomba em Onfray.

helio@uol.com.br


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