Folha de S. Paulo


Perversões culturais

-O Tribunal de Contas da União (TCU) quer vetar o uso de verbas da Lei Rouanet a projetos culturais que sejam sustentáveis ou deem lucro. Seria o fim de patrocínios oficiais a espetáculos como o Rock in Rio e aos filmes nacionais de grande público. É uma boa ocasião para discutir o papel do Estado no apoio às artes e à cultura.

A posição liberal ortodoxa, que se torna tentadora em momentos de crise, é deixar que cada um ande (ou não ande) com as próprias pernas. Se um projeto não é capaz de atrair público pagante suficiente para mantê-lo em pé, então não precisa existir.

Divirjo da ortodoxia. Se levássemos essa ideia a ferro e fogo, inviabilizaríamos atividades que me parecem dignas de preservar como a música erudita. Boa parte dos museus estatais também teria de ser fechada. E penso que o mundo se tornaria um lugar mais pobre sem essas coisas.

Reconhecer que a cultura deve ser financiada pelo Estado não implica sancionar o vale-tudo que se tornou a Lei Rouanet. Em princípio, concordo com a ideia do TCU de que as atividades que conseguem sobreviver sem apoio não deveriam receber dinheiro público. Mas há aí um desafio. O lado bom de delegar ao mercado a escolha dos projetos que serão beneficiados é que reduzimos o risco do dirigismo, isto é, de os governantes de plantão não só passarem a definir a "cultura oficial" como também beneficiarem amigos. É verdade que a presença de estatais como a Petrobras entre os grandes financiadores já conspurcava essa ideia.

De toda forma, esse nem me parece o pior dos problemas. Mais grave é o fato de a Lei Rouanet constituir um daqueles casos de esmola com o bolso alheio. Ao permitir que o empresário que financia a cultura abata até 100% do que "investiu" do imposto de renda devido pela firma, ela pode ser descrita não como um mecanismo de apoio às artes e sim como um modo pelo qual a sociedade subsidia a publicidade de empresas.


Endereço da página: