Folha de S. Paulo


O processo

SÃO PAULO - É tão absurdo o caso envolvendo a juíza Kenarik Boujikian, que o mais provável é que exista uma disputa política entre ela e alguns desembargadores cujos bastidores ainda não foram publicados.

O fato é que ela está sendo acusada em processo administrativo de violação ao princípio da colegialidade por ter mandado soltar dez réus que estavam presos preventivamente havia mais tempo do que a pena fixada em suas sentenças.

No entender do desembargador Amaro José Thomé Filho, que propôs a representação contra a magistrada, ela não podia ter tomado essa decisão monocraticamente. Boujikian, que atua como substituta no Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP), deveria ter consultado desembargadores antes de expedir os alvarás de soltura.

Não tenho nada contra regras institucionais (é difícil atuar sem elas) e muito menos contra julgamentos por colegiados (eles tendem a ser qualitativamente melhores dos que decisões proferidas por magistrado singular), mas é preciso ter perdido o juízo para considerar irregular a atuação de Boujikian nestes casos.

O que ela fez foi aplicar diretamente princípios constitucionais e regras do direito penal que visam a assegurar que ninguém será preso injustamente ou permanecerá atrás das grades por prazo superior àquele a que foi condenado. Basicamente, ela relaxou prisões que haviam se tornado ilegais. Essa, aliás, deveria ser uma obsessão de todos os juízes da área penal. Não há dúvida de que um magistrado possa fazer isso "ex officio".

Ainda que nos fixemos só nos procedimentos, ignorando por completo que Boujikian evitou a perpetuação de uma ilegalidade, é difícil afirmar que a magistrada tenha impedido os demais juízes de atuar ou mesmo reverter sua decisão, o que configuraria a tal da violação à colegialidade.

É natural e até saudável que existam disputas políticas no TJ, mas fica ridículo levá-las a ponto de censurar alguém por fazer a coisa certa.


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