Folha de S. Paulo


Taxistas amordaçados

SÃO PAULO - A recém-editada norma da Prefeitura de São Paulo que proíbe motoristas de táxi de discutir política, futebol e religião com os passageiros tem dois problemas: é flagrantemente inconstitucional e muito difícil de aplicar. A celeuma em torno da história, porém, rende uma boa discussão na qual nós que não somos taxistas podemos nos embrenhar sem medo de sanções.

É fácil atacar a regra, descrevendo-a como uma interferência indevida –quase delirante, ouso dizer– do poder público nas relações entre motorista e passageiro, que ficam em algum ponto entre o puramente comercial e o ditado pela urbanidade do dia a dia. A vítima aqui é a liberdade de expressão, assegurada em várias passagens da Constituição.

A porca torce o rabo quando tentamos conciliar essa crítica com os reiterados pedidos para que o Estado impeça professores da rede pública de atuar como doutrinadores ideológicos, arregimentando alunos para suas causas políticas favoritas, quase sempre de esquerda.

É claro que as figuras do taxista e do professor não se confundem, nem pela capacidade de convencimento nem pela ascendência intelectual que têm sobre seus clientes. Em ambos os casos, entretanto, o fenômeno de base é o mesmo: o poder público tentando controlar o discurso de seus servidores/concessionários. Pode ou não pode?

A questão é complexa, mas, no que diz respeito a proibições, me inclino pela negativa. Penso que o prejuízo de calar ideias novas é maior do que o de deixar que velhos preconceitos sigam circulando. Isso não significa que o poder público esteja de mãos amarradas no caso dos professores. Aqueles que de fato ensinam em vez de apenas doutrinar podem progredir mais na carreira. Em relação aos taxistas, o remédio é ainda mais simples. O passageiro que não quiser ouvir críticas a Haddad e elogios a Maluf pode simplesmente não dar assunto para o motorista.


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