Folha de S. Paulo


A ciência do milagre

SÃO PAULO - Já que o futebol acabou para o Brasil, resta o consolo de que estamos indo bem no campo dos milagres. Em 2007, frei Galvão se tornou o primeiro santo genuinamente brasileiro. Eles chegam a seis se considerarmos não só o local de nascimento, mas também a área de atuação. E não é só. O caso de um engenheiro brasileiro, que teria se curado inexplicavelmente de uma doença neurológica, acaba de ser reconhecido como o segundo milagre de madre Teresa de Calcutá, que permitirá sua canonização.

A Igreja Católica tem o direito de declarar santo quem bem entender, mas me incomoda um pouco o verniz científico que a Santa Sé tenta dar ao processo. Para assegurar que os milagres atribuídos aos santos não sejam fraudes, eles passam por comissões de médicos e cientistas que se certificam de que o fenômeno não tem explicação natural. Receio que haja aqui uma confusão epistemológica. Não encontrar explicação é muito mais uma medida da nossa ignorância do que a certeza de um milagre.

Como disse Arthur C. Clarke, qualquer tecnologia suficientemente avançada é indistinguível da mágica –e dos milagres, ouso acrescentar. O voo humano, que teria sido descrito como milagre na maior parte da história, hoje é coisa de rotina.

No mais, o fato de médicos não identificarem causas óbvias para a remissão de cânceres ou para o desentumescimento de abscessos não significa nada em termos epistemológicos. Ao contrário, sabemos que esses eventos ocorrem, não o tempo todo, mas com frequência ao menos mensurável. E afetam pacientes de todos os credos religiosos, não apenas os que rezaram para santos.

Chega a ser suspeito o fato de boa parte dos milagres vir da medicina, mais especificamente de especialidades marcadas pela incerteza, como a oncologia. Provas muito mais convincentes seriam regenerações de membros amputados, mas, curiosamente, essas nunca aparecem.


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