Folha de S. Paulo


O affaire do WhatsApp

SÃO PAULO - Usuários do WhatsApp no Brasil passaram por algumas horas de síndrome de abstinência. É que uma juíza de São Bernardo do Campo havia determinado a suspensão dos serviços por 48 horas. Em boa hora a decisão foi cassada pelo Tribunal de Justiça de São Paulo, mas a discussão permanece.

A ordem judicial que determinou o bloqueio, vamos falar português claro, era ridícula. Não estava, a meu ver, embasada na melhor interpretação jurídica e errava grotescamente no remédio adotado. Ao que consta, a juíza decidiu tirar o aplicativo do ar porque o Facebook, dono do WhatsApp, não cumprira determinação anterior para revelar informações sobre um suspeito num caso criminal. A empresa alega, no meu entendimento com razão, que o WhatsApp não tem sede nem servidores no Brasil, estando, portanto, fora da jurisdição de nossas autoridades.

Embora não nos demos conta, cada vez que acessamos um site estrangeiro estamos tecnicamente agindo no exterior, sob as leis do país em que ele se encontra. Esse é, creio, um dos milagres da internet. Ela cria uma espécie de concorrência entre legislações nacionais, e a tendência é que acabe prevalecendo a norma do país mais liberal, pois é lá que os sites procurarão se hospedar. E isso é ótimo. A tarefa de censores ficou mais difícil após a disseminação da rede.

A Justiça brasileira fica então de mãos atadas? Não. Caso um magistrado queira obter dados, deve seguir o trâmite previsto, que é acionar o Judiciário americano através de carta rogatória. Se o crime for grave o bastante para figurar nas legislações dos dois países, deverá ser atendido.

Mesmo que o WhatsApp fosse 100% brasileiro, ainda assim não faria sentido tentar obter dados determinando a suspensão do serviço. Ao fazê-lo, a juíza puniu não só a empresa, mas seus clientes, que não tinham nada a ver com a história. É como tentar enquadrar um banco proibindo correntistas de sacar dinheiro.


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