Folha de S. Paulo


Modos de infelicidade

SÃO PAULO - Numa das mais memoráveis frases da literatura, Leão Tolstói abre seu "Anna Kariênina" afirmando que todas as famílias felizes parecem-se entre si; já as infelizes o são cada uma à sua maneira. Brasil, Argentina e Venezuela constituem famílias infelizes.

Os três, ainda que em diferentes graus, flertaram com as mesmas ideias econômicas. Partindo do princípio de que, em certas situações, intervenções governamentais, como políticas anticíclicas e incentivos setoriais, podem abreviar crises e promover crescimento, radicalizaram essa noção e passaram a interferir sobre os mais variados setores.

O viés era o do populismo. Valeram-se de diferentes combinações de ingredientes que incluem distribuição de renda, controle de preços, concessão de agrados a servidores públicos e empresários amigos. A mágica de contentar a expressivas maiorias durou enquanto o ciclo das commodities era favorável. Quando os ventos internacionais mudaram, as inconsistências de um modelo que não estava escorado no aumento da produtividade deram as caras.

Apesar de terem bebido da mesma fonte, cada um dos três países colheu resultados eleitorais muito diferentes. Dilma Rousseff ainda teve fôlego para reeleger-se, mas apenas para mergulhar numa crise de cuja magnitude já nos desacostumáramos.

Cristina Kirchner viu o candidato de seu partido ser derrotado. É na Venezuela, porém, que o fracasso do governismo se fez mais claro. Amparada no caos econômico que o chavismo legou ao país, a oposição venceu o pleito legislativo de modo acachapante. Para um observador distante, o Brasil levou a pior, já que os responsáveis pela encrenca venceram o pleito. Mas, na verdade, estamos melhor que nossos vizinhos. Como a dose de intervencionismo aqui foi menor que na Argentina e muito menor que na Venezuela, teremos um pouco menos de trabalho para reconstruir uma economia viável.


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