Folha de S. Paulo


Uma censurinha não dói

SÃO PAULO - Devemos muito ao movimento feminista. O mundo ficou um lugar melhor depois que mulheres conquistaram os direitos básicos de cidadania e passaram a ocupar postos-chave em governos e empresas. Daí, é claro, não decorre que tudo que as feministas façam seja certo ou mesmo aceitável.

Esta eu não achei que veria em vida: uma ONG de advogadas feministas se alia ao Ministério Público para pedir à Justiça e dela obter o que na prática significa a censura a uma canção. O Tribunal Regional Federal da 4ª região acatou, em embargos infringentes, um recuso que impõe à produtora Furacão 2000 multa de R$ 500 mil por ter veiculado a música "Tapinha" [não dói].

O acórdão assusta. Ele sugere que o direito de veicular sons e imagens deve estar vinculado a critérios de "utilidade social, necessidade coletiva e atendimento ao bem-estar geral". Talvez eu seja ingênuo, mas, na esteira de Stuart Mill, sempre achei que o melhor teste para descobrir se um país leva a sério a liberdade de expressão é ver se permite a circulação de ideias que pareçam imorais à maioria. Ninguém, afinal, precisa de licença para dizer o que todos querem ouvir. A manter-se a decisão, o Brasil terá fracassado no teste.

Outro trecho do acórdão que me chamou a atenção é um que afirma ser desnecessário provar que a música em questão seja discriminatória. Com o intuito de justificar essa tese, cita o psicólogo Steven Pinker. Para o TRF, o fato de músicas serem o que Pinker chama de "guloseimas auditivas", que "pinicam áreas cerebrais envolvidas em funções importantes", já assegura que existe dano difuso.

Aqui, sugiro a leitura dos muitos textos em que Pinker faz defesas veementes da liberdade de expressão e condena as variegadas tentativas de usar a Justiça para silenciar vozes dissonantes. O mais recente deles saiu em janeiro no "Boston Globe".

Esperava que feministas, por já terem sido caladas, não caíssem nessa.


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