Folha de S. Paulo


Lei terrorista

SÃO PAULO - Praticamente todas as leis penais de que precisamos já estão em vigor, o que torna ingrata a tarefa de quem tenta inventar algo novo nessa seara. Os projetos ficam, no mais das vezes, entre o ocioso e o contraproducente. A proposta de Lei Antiterror, que o Senado vota hoje, está na segunda categoria.

Não há ataque terrorista imaginável que já não esteja coberto por algum tipo penal. Você lançou um avião contra um prédio matando um monte de gente? Então cometeu um homicídio doloso dupla ou triplamente qualificado, o que lhe renderia, pelo Código Penal, até 30 anos de cadeia, que é a pena máxima permitida no país. Proibir o ato uma segunda vez dificilmente diminuirá a probabilidade de que ocorra.

O projeto, porém, faz pior do que nada acrescentar. Onde ele inova, o faz de modo desastrado. Pelo art. 3º, quem contribuir financeiramente com organizações que promovam o terrorismo pode pegar até 30 anos. Ocorre que o terrorismo é definido de forma tão vaga e aberta que até ONGs tidas como respeitáveis na maior parte do globo podem ser consideradas criminosas. Se você dá uma grana para o Greenpeace, que a Rússia, por exemplo, trata como terrorista, poderia em tese ser enquadrado. Não há garantia de que nossos promotores serão melhores que os russos.

Algo parecido se passa com a proibição de dar abrigo ou guarida a quem tenha praticado crime de terrorismo (art. 6º). Aqui, a própria União ficaria em maus lençóis, já que deu abrigo e guarida a Cesare Battisti.

O problema de fundo é que "terrorismo", ao contrário de "homicídio", não corresponde a um ato razoavelmente inequívoco que queremos em quase todas as situações ver proscrito. Ele designa uma série de ações bastante desiguais, que vão de matar a danificar propriedade, e lhe prega uma etiqueta moral sujeita a muita discussão. É difícil senão impossível fazer uma lei que preste usando um conceito ruim como esse.


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