Folha de S. Paulo


O peso da lógica

SÃO PAULO - Ao contrário de outros defensores da liberdade de expressão, não considero o politicamente correto, o PC, como uma praga a ser riscada do mapa. Penso, acompanhando o psicólogo evolutivo Steven Pinker, que faz mais sentido descrevê-lo como o efeito colateral indesejado de um movimento civilizador, que foi a mobilização da sociedade, a partir da segunda metade do século 20, para conter seus impulsos racistas, sexistas e outras formas de opressão a minorias.

É claro que o fato de o PC ter uma origem bacana não elimina a necessidade de combater seus exageros nem de cobrar um pouco de lógica de seus proponentes. É o que tento fazer hoje. Como noticiou a "Ilustrada", a França está em vias de aprovar uma legislação que proibirá modelos consideradas muito magras de exercer a atividade. A ideia é evitar que a sociedade transmita a mensagem de que beleza equivale a magreza, o que, além de ferir os sentimentos dos gordos, pode, no entender de alguns médicos, contribuir para que jovens, a começar das próprias modelos, desenvolvam transtornos alimentares como a anorexia nervosa e a bulimia.

Há aqui problemas nas hipóteses e, principalmente, no método. É frágil, por exemplo, a presunção de que as escolhas dos estilistas para suas passarelas de fato influam nos hábitos alimentares não apenas das manequins mas nos de milhões de jovens. Também parece temerário ignorar que a anorexia tenha um forte componente genético –mais de 50% segundo estudos com gêmeos.

Mesmo se esses pressupostos fossem todos reais, ainda assim seria complicado defender que mulheres muito magras sejam simplesmente proibidas de exercer sua atividade profissional. Como conciliar isso com a ideia, sempre aplaudida pelos entusiastas do PC, de tentar impedir que pessoas sofram discriminação no emprego por ser gordas, por padecer de certas moléstias ou mesmo por ser homossexuais ou negras?


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