Folha de S. Paulo


Digerindo a realidade

SÃO PAULO - Os gregos voltaram a eleger o Syriza, mas, desta vez, para conduzir as medidas de austeridade acordadas com a União Europeia. Depois de muitas trombadas, os gregos, a começar do próprio premiê Alexis Tsipras, parecem ter se dado conta de que a alternativa ao ajuste, que seria o abandono do euro, se revelaria muito mais traumática e socialmente custosa do que a aceitação das imposições alemãs.

Por que levaram tanto tempo? Essa foi a quinta eleição em seis anos, o que é muito mesmo no parlamentarismo. A resposta, creio, está no descompasso entre as nossas intuições de justiça e a inexorabilidade dos movimentos macroeconômicos.

Com efeito, nenhum eleitor grego se sente individualmente responsável por problemas fiscais que só se materializam no agregado. Ao contrário, ele se vê como vítima de uma crise que não causou. Sua participação nas lambanças, pensa, foi nula ou mínima, mas é ele quem está sendo chamado a pagar a conta. Se pensarmos apenas em termos de justiça, esse eleitor tem um ponto. Mas estar imbuído da chamada razão moral não anula os dilemas econômicos que tem pela frente. Gostando ou não, os gregos têm de escolher entre aceitar os empréstimos europeus mais ou menos nas condições em que foram propostos e ficar no euro ou então rejeitá-los e abandonar a moeda única. Digerir essa realidade foi um processo penoso.

O problema de fundo é que nossos cérebros são da Idade da Pedra e não sabem lidar com a economia de mercado. Buscamos noções metafísicas de justiça em cada troca ou operação e ainda lhe atribuímos um caráter moral. Com isso, resistimos, às vezes custosamente, a inevitabilidades e deixamos de ver o quadro geral. Mecanismos de mercado se fundamentam não nas justiças e injustiças que produzem, mas no fato de terem, no agregado, levado a humanidade ao máximo de bem-estar material que ela jamais experimentou.


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