Folha de S. Paulo


Injustiça patente

SÃO PAULO - Na Europa medieval, uma das formas de identificar bruxas era amarrar seus membros e atirá-las num lago profundo. Se afundassem, eram inocentes; se flutuassem, culpadas, já que a recusa ao batismo as faria ser rejeitadas pelas águas. Hoje, com 900 anos de perspectiva, não temos dificuldade em apontar os erros nos pressupostos de tais julgamentos e classificá-los como quintessência da injustiça.

De acordo com Adam Benforado, autor de "Unfair" (injusto), nossos descendentes pensarão exatamente a mesma coisa de nosso sistema judicial como opera hoje. Para Benforado, o problema não está apenas em desvios mais ou menos previsíveis como o racismo da polícia ou a existência de promotores trapaceiros, mas na própria mente humana.

O autor reúne evidências da psicologia, da neurociência e das próprias cortes para mostrar tudo o que pode dar errado –e efetivamente dá– nas diversas fases de um caso judicial, da investigação, ao cumprimento da pena, passando pelo julgamento e pela própria noção de livre-arbítrio.

Gostamos de imaginar que decisões legais são tomadas após muita consideração e sempre baseadas em provas materiais e apoio científico, mas Benforado mostra que a realidade é muito diferente. Fatores absolutamente irrelevantes como o ângulo em que a câmera enquadra o suspeito e a palavra escolhida pelo advogado para questionar a testemunha podem fazer a diferença entre a condenação e a absolvição. Nos EUA, isso pode significar a diferença entre a vida e a injeção letal.

Reformar o sistema não é simples. É preciso antes de mais nada reconhecer os poderosos processos inconscientes que moldam nossos juízos conscientes e tentar redesenhar os procedimentos para pelo menos reduzir os vieses. O desafio fica ainda maior quando se considera que nossas mentes farão tudo o que puderem para se defender da acusação de que não são justas.


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