Folha de S. Paulo


Incentivos perversos

SÃO PAULO - Por dever profissional e temperamento, sempre achei que é preciso considerar seriamente explicações das quais discordo, mesmo que venham de governos impopulares, religiosos, suspeitos de corrupção etc. No caso de José Dirceu, minha confiança nesse princípio se manteve até durante o processo do mensalão. Ela só foi abalada com a revelação de que a consultoria do ex-ministro continuou a receber megapagamentos de grandes empresas mesmo enquanto ele cumpria pena na Papuda.

Não é, porém, a situação de Dirceu que eu queria comentar hoje, mas uma discussão teórica à qual economistas não dão muita publicidade: a corrupção favorece o crescimento econômico? A resposta, como o leitor já deve ter intuído, é "depende".

Não é difícil ver como o desvio de verbas amplia a ineficiência do setor público e a incerteza no setor privado, produzindo resultados econômicos piores do que seriam sem corrupção. Mas, questões morais à parte, alguns autores sustentam que, em certas situações, nas quais travas burocráticas ao desenvolvimento são tamanhas, a corrupção se mostra a segunda melhor opção para fazer com que negócios se materializem.

Num interessante estudo de 2010, Jac Heckelman e Benjamin Powell compararam níveis de desenvolvimento institucional, corrupção e crescimento de vários países e concluíram que as coisas são de fato complexas. Ainda que, de modo geral, a corrupção piore o desempenho, ela pode trazer resultados benéficos, especialmente quando as instituições econômicas do país são ruins.

Como questões morais existem e nem o mais doidivanas dos economistas recomenda que um país abrace a corrupção para crescer mais, a lição a tirar é que não basta combater os malfeitos. É preciso também reformar as instituições para que elas se tornem menos sensíveis a incentivos perversos. Nisso, infelizmente, o Brasil não tem avançado.


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