Folha de S. Paulo


Ironias da história

SÃO PAULO - A legalização do casamento entre pessoas do mesmo sexo pela Suprema Corte dos EUA representa uma justa vitória do movimento gay. Nas democracias contemporâneas, não faz sentido restringir direitos de um cidadão apenas porque gosta de copular com pessoas do mesmo sexo que ele.

A história, porém, é cheia de ironias. Ao insistir no casamento (em oposição à mais objetiva união civil), os gays acabaram abraçando a mais conservadora das bandeiras sociais. O casamento, vale lembrar, é um mecanismo através do qual o indivíduo pede ao Estado licença para manter relações sexuais com outra pessoa.

No Ocidente, é uma instituição em franca decadência. Na Europa do norte, frequentemente tomada como um modelo positivo de desenvolvimento social, a proporção de crianças que nasce fora do casamento já é superior a 50%. As taxas mais baixas são verificadas naqueles países europeus onde a influência da religião é mais acentuada, como Turquia, Grécia, Macedônia e Croácia.

Vários fatores contribuíram para a desinstitucionalização do casamento. No plano jurídico, foi necessário, em primeiro lugar, que os Estados revogassem ou pelo menos deixassem de aplicar as leis que criminalizavam a fornicação e o adultério. Em seguida, vieram normas que asseguravam a pessoas que preferiam não formalizar sua união direitos sucessórios e previdenciários, bem como a proteção aos filhos em comum.

O elemento central, porém, foi a emancipação feminina. As coabitações só se tornaram uma alternativa viável porque as mulheres entraram no mercado de trabalho, isto é, já não dependiam de maridos para sobreviver, e, com a pílula, passaram a controlar o ritmo em que tinham filhos.

O esvaziamento dos casamentos é, portanto, resultado de uma feliz conjunção de avanços legais e sociais. Não deixa de ser curioso que os gays tenham aqui se posto na contramão das tendências mais progressistas.


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