Folha de S. Paulo


Fóssil do autoritarismo

SÃO PAULO - Se fôssemos desenhar a partir do nada um sistema político-eleitoral para o Brasil, eu teria uma longa lista de sugestões, que incluiriam do parlamentarismo ao voto distrital, passando pela extinção do Senado. Mas, como o país já conta com um conjunto de normas que funciona, a sabedoria recomenda que sejamos mais contidos.

Qualquer sistema exige tempo para amadurecer. A democracia, vale dizê-lo, é um aprendizado, no qual tanto eleitores como políticos vão adquirindo habilidades para navegar pelas entrelinhas das regras. Assim, o melhor é apostar em reformas incrementais, cujos ganhos potenciais são modestos, mas que não ponham a perder o processo de evolução institucional que já está em curso.

Nesse contexto, minha lista de propostas fica bem mais humilde. Eu me limitaria a disciplinar os partidos, reduzindo a plêiade de siglas e acabando com as coligações para o Legislativo, a corrigir um pouco as distorções demográficas na Câmara (leia-se acabar com o teto para as bancadas estaduais) e a sepultar o voto obrigatório. Na reforma deslanchada pelos deputados sob a batuta de Eduardo Cunha, nossos legisladores fingiram que mexeram no primeiro ponto, ignoraram solenemente o segundo e disseram não ao terceiro.

O único que me deixa levemente revoltado é o terceiro. Sei que até existem alguns argumentos sociológicos em favor da obrigação de votar, mas esse é um instituto que ofende tanto meu senso de justiça como o de lógica. Parece-me absurda a ideia de que o eleitor possa estar apto a escolher o dirigente máximo da nação e as pessoas que escreverão as leis do país, mas não a definir sozinho se deve comparecer em sua seção eleitoral. A liberdade de decidir em quem votar tem como pré-requisito a liberdade para decidir se vai ou não votar.

Só uma combinação de paternalismo com oportunismo explica a decisão dos deputados de manter intocado mais esse fóssil autoritário.


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