Folha de S. Paulo


Delírios liberticidas

SÃO PAULO - A liberdade de expressão avançou um bocadinho esta semana com a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) de pôr fim à necessidade de autorização prévia para a publicação de biografias.

Os dispositivos legais que exigiam o aval do biografado ou de seus familiares nunca fizeram sentido jurídico ou lógico. Para prová-lo, basta considerar que, pelo artigo 20 do Código Civil, até a biografia de um personagem como Hitler precisaria de sua permissão. Mas qual pode ser o valor de um retrato de Hitler que contasse com sua aprovação?

Foi ótimo, portanto, que os ministros do STF tenham, por unanimidade, dado cabo desse delírio legislativo de nossos valorosos parlamentares. Restam, porém, muitos outros e seria importante que segmentos da sociedade civil com legitimidade para propor ações de inconstitucionalidade aproveitassem a composição liberal do Supremo para contestar outras normas imprestáveis.

Penso especificamente nas leis de desacato, de apologia do crime, de difamação de religiões e alguns aspectos dos delitos contra a honra. Não, não estou propondo nada de revolucionário que abalará os alicerces do Estado e da família. Em seguidos relatórios publicados desde os anos 90, a sempre bem comportada Organização dos Estados Americanos (OEA) pede que seus membros revoguem alguns desses dispositivos, por considerá-los incompatíveis com o artigo 13 da Convenção Americana sobre Direitos Humanos.

Basicamente, essas leis fazem muito pouco para promover a paz pública, mas são eficazes para calar teses impopulares, limitando assim o debate franco de ideias que está no cerne do processo democrático.

Seria interessante ainda evitar que se convertam em diplomas legais outros projetos liberticidas, como a chamada lei da homofobia e, agora, a da cristofobia. Quem não consegue tolerar piadas ou críticas deveria procurar um terapeuta, não um deputado.


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