Folha de S. Paulo


Os ricos também choram

SÃO PAULO - Acostumado ao espaço diminuto de minhas colunas, me senti um milionário quando o editor da "Ilustríssima", Marcos Augusto Gonçalves, me ofereceu 16 mil toques (aqui tenho 1.800) para escrever sobre placebos e a pseudomedicina. Foi só para descobrir que os ricos também choram. Quando você tenta descrever com algum nível de detalhe problemas mais complexos, o espaço desaparece como coelho em cartola de mágico.

O texto publicado no domingo, no qual me centrei no papel dos placebos, acabou deixando de fora outros efeitos que ajudam a entender por que as ditas terapias alternativas parecem funcionar bem. Alguns leitores cobraram –e justamente, acrescento– uma explicação para o fato de alguns trabalhos realizados com animais e bebês, que em tese não estão sujeitos ao efeito placebo, apresentarem resultados positivos. É essa lacuna que tento sanar hoje, ainda que superficialmente.

Como relata R. Barker Bausell, a própria história natural das doenças faz com que qualquer coisa –até reza– pareça ser efetiva, se não houver bons controles no estudo e cientistas experientes para interpretar seus resultados. O ponto central é que a maioria dos pacientes (ou seus tutores) tende a procurar tratamento quando o processo patogênico está no auge ou se aproximando dele. Aí, a menos que a moléstia seja fatal –e a maioria não o é– o mais provável estatisticamente é que os sintomas regridam. Como nossos cérebros leem o mundo em termos de causa e efeito, atribuímos a melhora ao "tratamento", mesmo que ela seja totalmente esperada e estivesse fadada a ocorrer de qualquer jeito.

Outros fenômenos que fazem com que a pseudomedicina fique bem na foto incluem "data mining", efeito Hawthorne e até o fato de que pacientes sorteados para ficar no grupo placebo percebem que não estão recebendo tratamento e largam o estudo, enviesando os resultados.


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