Folha de S. Paulo


Moral e energia

SÃO PAULO - Nossa moral é determinada pela forma como capturamos energia. Essa é a polêmica tese que o historiador Ian Morris, de Stanford, defende em seu mais recente livro, "Foragers, Farmers, and Fossil Fuels" (coletores, fazendeiros e combustíveis fósseis).

Humanos nutrimos pendor biológico para com valores como justiça, equidade, respeito, amor etc. Mas o que cada sociedade define como instância desses valores varia. Ao longo dos últimos 20 mil anos, sustenta Morris, houve três desenhos básicos, que foram mudando à medida que os grupos alteraram a maneira pela qual extraíam energia, isto é, comida e combustíveis, do ambiente.

A primeira forma, a dos caçadores-coletores, permitia apenas a vida em pequenos grupos, caracterizados por baixa tolerância a diferenças políticas ou de riqueza e que resolviam suas disputas recorrendo à violência. Era o que funcionava para eles, que não conseguiam retirar muito mais do que 5.000 kilocalorias por dia por habitante de seu ambiente.

Com o advento da agricultura, fazendeiros geravam até 30 mil kilocalorias e transformaram a energia extra em mais filhos. Sociedades agrárias experimentaram forte aumento populacional, o que as levou a aceitar como necessárias desigualdades políticas, econômicas e de gênero e a reprimir a violência entre indivíduos.

Com os combustíveis fósseis, passamos a retirar até 230 mil kilocalorias e forjamos sociedades que valorizam a igualdade e abominam a violência, ainda que não sejam tão boas em tornar esses ideais realidade.

Morris admite que seu modelo é reducionista, mas diz que reducionismos são úteis para compreender as coisas. Poderíamos até descrevê-lo como uma versão mais geral da noção de modo de produção de Marx. Mas o que me parece mais interessante é a ideia de que o que hoje tomamos por verdades morais autoevidentes pode não passar de efeito colateral de nossa política energética.


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