Folha de S. Paulo


No fundo dos teus olhos

SÃO PAULO - Baltimore viveu um levante em virtude de mais um caso de racismo policial. Será que o racismo é uma característica indelevelmente humana? Não, mas não é preciso muito para que se torne. O mais impressionante dos muitos experimentos que mostram como é fácil para as pessoas mergulhar na lógica do nós contra eles foi o conduzido por Jane Elliott nos anos 60.

Elliott, que era professora do terceiro ano de uma escola no interior de Iowa, onde todas as crianças eram brancas, queria explicar para seus alunos o que significava o assassinato de Martin Luther King. Ela seguiu o roteiro, referindo-se ao problema do racismo de forma abstrata. Viu que a garotada, entre 8 e 9 anos, não entendeu muita coisa e, então mudou de estratégia.

Ela dividiu os alunos de sua classe em dois grupos, o de olhos azuis e o de olhos castanhos, e afirmou que o primeiro era superior e o segundo, inferior. Concedeu aos membros do primeiro time privilégios, como o direito de repetir o lanche. Imediatamente, surgiram as divisões. As crianças de olhos azuis não apenas não brincavam mais com as de íris castanha como as maltratavam. Uma delas sugeriu que Elliott alertasse a direção da escola para o potencial criminoso de seus colegas amendoados. Estes, já no segundo dia, apresentaram declínio na performance acadêmica e diziam se sentir tristes.

Aí Elliott virou o jogo. Disse que cometera um erro e que, na verdade, os olhos castanhos é que eram de gente superior, e os azuis, dos ruins. Foi a vez de os castanhos se gabarem de suas características, e os azuis se sentirem mal. O detalhe importante é que isso ocorreu numa intensidade menor do que na versão anterior.

O experimento, que chamou a atenção da imprensa e deu origem a toda uma família de estudos acadêmicos, revela que a disposição para segregar é real, mas também escancara o artificialismo e a insignificância das divisões que criamos.


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