Folha de S. Paulo


Entre ficção e realidade

SÃO PAULO - Seres humanos temos uma quedinha por ficções. Não é um acaso que o hábito de contar histórias seja um universal humano. E gostamos tanto delas que, por vezes, nos deixamos levar por mitos. Uma das peças que nossos cérebros nos pregam é apanhar narrativas consagradas e ir adaptando os fatos para que caibam nelas.

Escrevo essas linhas por causa da reação à coluna em que defendi a terceirização. Pelo tom geral das críticas, eu havia sancionado a exploração do homem pelo homem e dito um solene "não" a leis tão respeitáveis como a que proíbe o trabalho infantil e as jornadas de mais de 15 horas. Menos, gente, menos.

Uma das grandes histórias que às vezes pensam por nós é a que divide o planeta em capitalistas gananciosos e trabalhadores espoliados. É claro que as duas figuras existem, mas seria um erro tentar fazer a realidade encaixar nesses estereótipos. O mundo concreto tende a ser um lugar bem mais cinzento e nuançado, onde os papéis de explorador e explorado são menos evidentes.

Mais da metade (52%) dos empregos formais no Brasil são gerados por micro e pequenas empresas. Estamos aqui falando de firmas que faturam até R$ 30 mil por mês (micros) ou R$ 300 mil (pequenas). Frise-se que o verbo é "faturar", não "lucrar". O principal desafio dessas empresas é sobreviver. E cerca de 25% delas não conseguem passar dos dois anos de idade. Quando quebram, desnecessário dizer, perdem tanto os patrões quanto seus empregados.

Mudanças que possam tornar essas entidades mais resilientes, como é o caso da terceirização, entre outras medidas de flexibilização, em princípio interessam a todas as partes envolvidas. Pior do que ficar sem todos os benefícios previstos na CLT é ficar sem eles e sem vencimento nenhum.

No mais, quando a economia vai mal, a massa salarial é reduzida e pessoas perdem o emprego. Não há lei que consiga anular esse efeito.


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