Folha de S. Paulo


Problema difícil?

SÃO PAULO - Tom Stoppard, um dos principais dramaturgos britânicos vivos, conhecido por levar aos palcos temas filosóficos e científicos, resolveu pegar pesado em sua última peça. O assunto de "The Hard Problem" (problema difícil), disponível em e-book, não é nada menos que a consciência humana.

Os elementos para uma obra-prima estão ali. Hilary é uma jovem psicóloga que acredita em realismo moral e reza para Deus antes de dormir. Convicta de que há mais do que apenas neurônios no fenômeno da consciência, ela se candidata a um emprego num importante instituto de neurociência. A heroína tem um relacionamento mais físico que romântico com seu tutor Spike, um materialista empedernido que descreve a "Madona com o Menino" de Rafael como "mulher maximizando a sobrevivência dos genes". Entram na trama ainda altruísmo, adoção, crise financeira, bilionários com seus modelos matemáticos de redução de risco, fraude científica e até amor lésbico.

Não dá para dizer que a peça seja ruim, mas, desta vez, Stoppard não compôs uma obra magistral. Tudo é maçantemente escolar. Os personagens despejam de forma robótica a minuciosa pesquisa do autor. Mesmo a disputa sobre a natureza da consciência não fica bem resolvida, nem em termos dramáticos, nem científicos. Stoppard não esconde sua simpatia para com o dualismo de Hilary, mas não o assume integralmente.

O interessante aqui é que, por algumas das visões antagônicas à de Stoppard, nem haveria um "problema difícil" a resolver. Para os eliminativistas, estados mentais, isto é, o que há de subjetivo na experiência da consciência, são uma categoria inexistente e que não deveria fazer parte de nenhum programa científico. As ideias sobre psicologia que nos fazem ter a ilusão da consciência são tão absurdas que um dia serão eliminadas do horizonte da ciência, assim como a astrologia o foi. Radical, mas será que está errado?


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