Folha de S. Paulo


Justificativa injustificável

SÃO PAULO - Num Estado contemporâneo, leis devem estar sempre amparadas em considerações racionais e dados empíricos, certo? Minha tentação/esperança seria responder afirmativamente. Basta, porém, dar uma espiadela na justificativa da PEC 171-93, a que reduz a maioridade penal de 18 para 16 anos, para tomar um susto.

O texto de apoio não apenas não traz nenhum dado concreto para fundamentar a proposta como ainda cita a Bíblia três vezes. Em termos literários, eu até aprecio alguns livros do Tanakh, mas apenas imaginar que possamos utilizar o Antigo Testamento como guia moral nos dias de hoje me causa calafrios. O "livro bom", entre outras preciosidades, ordena que matemos os homossexuais (Levítico 20:13), nossos parentes que mudem de religião (Deuteronômio 13:7) e nos autoriza a vender filhas como escravas (Êxodo 21:7). O próprio Deus não me parece uma figura que deva servir de exemplo para ninguém. Ao longo do Antigo Testamento, ele pessoalmente promove ou ordena mais de uma dezena de genocídios. É melhor manter a Bíblia longe de nossos códigos legais.

Ao contrário de religiosos, contudo, não me ligo em dogmas. Sou contra a redução da maioridade penal, mas, se alguém me apresentar uma boa argumentação, embasada em evidências, de que ela reduziria a criminalidade e promoveria a paz social, eu mudaria de ideia. Não vi até hoje nenhum arrazoado assim.

Penso que apostar na ideia de que maiores de 16 anos devem ser tratados como adultos, com todos os direitos e deveres correspondentes, seria contraproducente. Parece-me temerário, por exemplo, conceder-lhes o privilégio de dirigir. Nos EUA, onde eles podem, o risco de motoristas entre 16 e 19 anos de envolver-se em acidente com morte é três vezes maior que o de condutores com mais de 20. E isso porque, nos EUA, eles não podem beber. Aqui, pela lógica da antecipação da maioridade, poderiam.


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