Folha de S. Paulo


A ideologia e a rúcula

SÃO PAULO - Como o aborto e a legalização das drogas, a maioridade penal é um daqueles temas eternos. Os argumentos se repetem –eu próprio já devo ter escrito meia dúzia de colunas contra a redução para 16 anos– e raramente convencem alguém a mudar de lado. Por quê?

A julgar por "Predisposed", dos cientistas políticos John Hibbing, Kevin Smith e John Alford, a resposta está na biologia. Os autores juntam farto material que mostra que as diferenças político-ideológicas entre as pessoas não se devem só a efeitos de criação mas também a fatores biológicos que afetam a personalidade e a fisiologia de cada indivíduo.

Algumas das correlações encontradas pelos pesquisadores surpreendem. Liberais são mais afeitos do que conservadores a vegetais como rúcula e brócolis, por exemplo. No caso da rúcula, a proporção é de dois para um. Aparentemente, isso ocorre porque gente mais à esquerda tende a processar o composto feniltiocarbamida e seus análogos presentes nessas comidas de forma diferente dos direitistas, para os quais esses alimentos têm sabor muito mais amargo. Efeitos parecidos se espalham por quase tudo, de odores até as raças de cachorro preferidas.

Os autores, porém, são os primeiros a alertar para o fato de que a maioria dessas correlações são fracas e seria rematada tolice interpretá-las de forma determinista, ainda que, no conjunto, tragam o dedo da biologia. Um dos motes do livro é que as pessoas variam enormemente e as ciências sociais nem sempre percebem isso. No mundo real, é possível encontrar conservadores a favor do aborto e fãs de brócolis e liberais pró-pena de morte que odeiam vegetais.

A mensagem de "Predisposed" é que diferentes indivíduos experimentam a realidade de forma genuinamente diferente. Você não deve achar que seu vizinho tem um deficit cognitivo só porque discorda de todas as suas posições políticas. Ele pode de fato sentir o mundo de outro jeito.


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