Folha de S. Paulo


O arco da justiça

SÃO PAULO - Para o fundador da "Skeptics Society", até que Michael Shermer é bem crente. Em seu mais recente livro, "The Moral Arc", o psicólogo e divulgador científico sustenta que a razão e a ciência estão levando a humanidade a uma era de "verdade, justiça e liberdade" nunca antes experimentada.

É possível que haja algum exagero aí e até certa credulidade, mas é preciso reconhecer que Shermer reuniu um impressionante conjunto de evidências que, se não prova cabalmente sua tese, a torna hipótese muito verossímil. "The Moral Arc" é uma daquelas obras que, na esteira de "Melhores Anjos", de Steven Pinker, procura reabilitar o Iluminismo.

Shermer nos inunda com dados que mostram que, a partir principalmente do século 18, tudo começa a melhorar –e muito– para as pessoas. A violência despencou. A escravidão foi banida. O racismo e o preconceito em geral vão sendo cada vez menos tolerados. Mesmo os animais entraram para o nosso círculo de solidariedade moral. As incursões que Shermer faz por essas e outras áreas são o ponto forte do livro.

Menos convincente é a parte em que ele atribui esse movimento civilizatório ao desenvolvimento da ciência e da racionalidade. É claro que, em algum grau, elas são responsáveis por isso. O autor lembra que muitas das piores práticas da humanidade, como queimar bruxas, só ocorriam devido a erros factuais. Depois que a ciência mostrou que não existem bruxas e que catástrofes naturais não são causadas por pactos com o demônio, as fogueiras se apagaram.

Minha objeção é a de que Shermer adota um realismo moral filosoficamente ingênuo. Ele tenta nos fazer crer que, uma vez que conheçamos os fatos, a verdade moral emergirá. Pessoalmente, até concordo com grande parte das posições do autor, mas não creio que ele tenha resolvido o problema da forquilha de Hume. Não é tão simples extrair comandos morais de descrições da natureza.


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