Folha de S. Paulo


Discordância concordante

SÃO PAULO - Concordo discordando. Ou discordo concordando. Foi assim que li o artigo dos juízes Sergio Fernando Moro e Antônio Cesar Bochenek, publicado na edição de domingo do "Estado de S. Paulo". No texto, o responsável pela Operação Lava Jato e o presidente da Associação dos Juízes Federais (Ajufe) propõem que o réu condenado em primeira instância fique preso até a análise dos recursos.

Comecemos pela discordância. Talvez eu esteja ficando antigo, mas, sobretudo quando falamos em reforma, não consigo abandonar a ideia do direito penal mínimo, segundo a qual a pena de prisão deveria ser reservada para casos extremos, isto é, para bandidos cuja liberdade represente uma ameaça física à sociedade. Cadeias, afinal, são uma espécie de Fies do crime. Gastamos um razoável volume de dinheiro público para manter o condenado num lugar onde ele não só não produz nada como ainda sai dali com suas habilidades delinquenciais aprimoradas.

Especialmente no caso de corrupção, penas pecuniárias associadas à restrição de direitos tendem a ser bastante efetivas, pelo menos para quem entende que a função principal da sanção penal é a dissuasão e a reparação, não a retribuição.

Moro e Bochenek, porém, me parecem corretos ao imprecar contra a baixa eficácia das sentenças de primeira instância, que tendem a ser mantidas em suspenso até o famoso "trânsito em julgado". O problema não é exclusivo da Justiça Criminal, sendo ainda mais acentuado na esfera cível, onde ele estimula a indústria de recursos que torna o sistema mais lento, caro e pouco confiável.

Se queremos um Judiciário que dê conta das necessidades de mais de 200 milhões de cidadãos, o primeiro passo é dar eficácia às decisões dos milhares de juízes de primeira instância e tratar a possibilidade de erro como exceção e não como regra. Sem isso, vai ser muito difícil fazer a máquina funcionar.


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