Folha de S. Paulo


Paradoxo sociológico

SÃO PAULO - De modo geral, prefiro o parlamentarismo ao presidencialismo. Trata-se de um sistema mais flexível, que, ao trazer um mecanismo que permite antecipar o fim de governos, abrevia a duração de boa parte das crises políticas.

E, por vezes, a política é o problema. Se olharmos para o sul, vamos ver que a simples perspectiva de o mandato de Cristina Kirchner estar chegando ao fim já deu uma aliviada na situação econômica por ali.

Seria um erro, porém, imaginar que bastaria tirar Dilma Rousseff e o PT para resolver tudo. Uma das poucas vantagens do presidencialismo sobre o parlamentarismo é que este dá ao chefe de governo a possibilidade de, quando necessário, adotar medidas impopulares sem o receio de ter sua administração interrompida por uma moção de desconfiança. Isso é particularmente útil quando é preciso fazer um ajuste recessivo de média duração. Cuidado, não estou aqui defendendo a recessão como fim em si mesmo. Mas, se o governo não a promover de modo tão controlado quanto possível, o mercado se encarregará de produzi-la, e de forma muito mais incisiva e dolorosa.

A dificuldade do Brasil hoje é que a gestão Dilma se encalacrou numa espécie de paradoxo sociológico. Ela exerce um presidencialismo que não consegue se valer das vantagens desse sistema e ainda padece dos males do parlamentarismo. O governo até agora não foi capaz de mostrar um plano consistente de ajuste e ainda se vê diuturnamente testado por um Legislativo oportunista. Está no ar até a possibilidade de "impeachment", por enquanto mais em seu aspecto político de "voto de desconfiança" do que como um procedimento penal motivado por um delito concreto cometido pela presidente.

O lamentável aqui é que, se parte da crise é mesmo inexorável e se deve a erros cometidos no passado, há outra, evitável, que resulta da inabilidade do governo em fazer a articulação política com o Congresso.


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