Folha de S. Paulo


Imposto e escravidão

SÃO PAULO - Para todo problema complexo existe uma solução clara, simples e errada." A frase do jornalista americano HL Mencken me veio à cabeça por causa da ideia de criar um imposto sobre fortunas para resolver nosso problema fiscal.

À primeira vista, a proposta parece perfeita, já que serviria, de uma só vez, para nos tirar da lama e produzir mais justiça social. À segunda vista, porém, as coisas não são tão simples. A literatura sugere que esse tipo de tributação pode ser um tiro pela culatra, já que estimula a fuga de capitais, inibe investimentos externos e, de quebra, arrecada pouco. Estudo de 2008 de Éric Pichet estimou que o imposto sobre fortunas da França custa ao Estado o dobro do que arrecada. Não é uma coincidência que, no último par de décadas, Suécia, Dinamarca, Alemanha, Áustria, Finlândia e Luxemburgo tenham desistido de cobrar esse imposto.

Como o Brasil é bem diferente das social-democracias europeias, é possível que as coisas funcionassem melhor por aqui. Mas a resposta a essas questões econômicas deve ser empírica –funciona ou não funciona?– e não moral, ou faremos bobagem.

E, já que mencionei a moral, não resisto a reproduzir muito sumariamente o argumento do filósofo Robert Nozick contra a distribuição de renda. Para Nozick, cada um de nós tem autoridade soberana sobre si mesmo, seu corpo, habilidades e os frutos de seu trabalho. Só um argumento desse tipo possibilita rejeitar moralmente a escravidão. De outra forma, ela seria aceitável, desde que os escravos fossem bem tratados.

Tal soberania implica que qualquer taxação é indistinguível do roubo. A única forma moral de justificar o Estado são contribuições voluntárias em troca de serviços prestados. Para Nozick, o que restaria é um Estado mínimo que promova itens básicos como segurança e Judiciário. O resto, diz ele, equivale a escravidão. Mesmo que não concordemos com a tese, ela dá o que pensar.


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